15 mar 2025, sáb

Perdemos a guerra de narrativas da Covid, diz Doria – 15/03/2025 – Equilíbrio e Saúde

João Doria rechaça o epíteto de “pai da vacina”. O ex-governador de São Paulo foi assim chamado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), em 2021, pela compra de vacinas Coronavac feita por sua gestão durante a pandemia, enquanto o então presidente Jair Bolsonaro (PL) adiava negociações.

O combate à crise sanitária foi a grande marca da gestão do ex-político, e rendeu o rompimento definitivo com Bolsonaro.

“Foram os médicos e cientistas que foram os pais da vacina, porque eles que endossaram, recomendaram, justificaram que a vacina era a única solução para evitar a morte pela Covid-19”, disse em entrevista à Folha na quinta-feira (13). “Então, eu me sinto um incentivador e alguém que se expôs publicamente na defesa da vacina na condição de governador do maior estado brasileiro.”

Em uma das salas na sede do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), no 11º andar do edifício Plaza Iguatemi, na avenida Faria Lima, ele diz que adotaria novamente todas as medidas de enfrentamento à Covid “sem nenhuma hesitação”. Mas, se pudesse mudar algo, teria melhorado a qualidade de combate às fake news.

“No combate pelas narrativas, nós perdemos. Ganhou o gabinete do óbito. Venceu a mentira, venceu, infelizmente, a predominância da informação de que a Covid não era grave, de que não haveriam mortos. Prevaleceu sobre muitos a ideia de que era uma gripezinha, que o isolamento e a quarentena não eram necessários e que a vacina, tampouco, era importante”, diz.

Para ele, ao menos parte das 715 mil mortes poderiam ter sido evitadas caso o governo federal tivesse adquirido os imunizantes mais cedo.

À frente da compra das vacinas, Doria anunciou em junho de 2020 uma parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac para testar e produzir doses contra o coronavírus assim que fosse possível.

Em outubro do mesmo ano, o Ministério da Saúde anunciou que compraria 46 milhões de doses do mesmo imunizante, batizado de Coronavac. Mas, logo após, Bolsonaro afirmou, em sua página no Facebook, que o Brasil não compraria “a vacina da China”.

Apenas em dezembro, quando o ex-tucano declarou que o plano de vacinação no estado de São Paulo começaria em 25 de janeiro de 2021, o governo federal se movimentou para comprar doses produzidas pela Pfizer/BioNTech. Meses depois, foi revelado que o governo brasileiro rejeitou três propostas da farmacêutica Pfizer para ofertar vacinas ainda em 2020. A empresa havia feito a primeira delas em 14 de agosto de 2020, segundo informações obtidas pela Folha.

Doria diz que, na época, foi difícil assinar a compra bilionária “enquanto fake news diziam que a vacina não era necessária”. “Era preciso ter uma dose de coragem para assinar isso. Eu poderia ter sido responsabilizado legalmente por ter usado de forma errada o dinheiro público de São Paulo”, afirma.

O valor é também decorrente do fato de que Doria fez uma compra superior ao necessário para vacinar o público elegível da população paulista.

O entendimento do grupo de trabalho da gestão à época era de que não adiantava vacinar os que viviam em São Paulo e não disponibilizar o imunizante para aqueles que poderiam se deslocar para o estado. O excedente, então, foi vendido para outros estados e o Ministério da Saúde.

O comum é que a compra dos imunizantes seja feita pelo governo federal, que distribui para os estados e, estes, para os municípios —o que não aconteceu.

“Quem pagou essas vacinas foi o governo de São Paulo. Muitos meses depois o governo [brasileiro] começou a reembolsar o estado.”

As decisões que guiavam as medidas de enfrentamento ao vírus em São Paulo eram tomadas com base nas orientações do Centro de Contingência do Coronavírus, formado por médicos e cientistas, como os infectologistas David Uip e Marcos Boulos, professores da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Os membros do grupo indicavam, por exemplo, se o estado deveria permanecer nas fases verde, amarela, laranja ou vermelha do chamado Plano São Paulo, que determinava o funcionamento de comércios e serviços, além de atividades culturais, entre outras determinações. Na fase de maior endurecimento, apenas atividades essenciais, como serviços de saúde e para a compra de mantimentos, eram permitidas.

A corrida pelos imunizantes ganhava novos contornos com a necessidade da produção de uma vacina que fosse produzida inteiramente no Brasil, uma vez que a escassez de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo), matéria-prima das doses da Coronavac e da Astrazeneca, atrasava o plano nacional de vacinação. Neste cenário, Doria anunciou o início da produção da Butanvac, candidata desenvolvida pelo Instituto Butantan, antes mesmo do aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a aplicação em ensaios.

O anúncio, que mirava a autossuficiencia brasileira e que poderia ser o trunfo político do então governador, saiu pela culatra. Primeiro, o imunizante, vendido por Doria como 100% nacional era, na verdade, desenvolvido nos Estados Unidos, pela Escola de Medicina Icahn do Instituto Mount Sinai, conforme revelou a Folha.

E, no ano passado, o instituto divulgou que a vacina não atingiu o resultado esperado no ensaio clínico de fase 2 com voluntários como reforço contra a Covid, e decidiu suspender seu desenvolvimento.

“Nós, de fato, anunciamos. Mas não que ela estaria disponível, que ela seria produzida no Butantan. Nós nunca dissemos que ela estava pronta para ser distribuída e aplicada. Aí, de novo, as fake news. O mesmo gabinete do ódio dizendo ‘ó, calça apertada tá dizendo que agora vai produzir vacina no Brasil’. E aí disseminaram essa informação de que a Butanvac, que deveria estar disponível, não estava”, afirma.

Apesar da constante troca de farpas com o ex-presidente, Doria nega ter politizado o enfrentamento à doença. “Por parte do governo de São Paulo, não. Nós adotamos o caminho orientado pela ciência, pela saúde, em defesa da vida. Infelizmente, no âmbito do governo [federal] naquele momento, houve a adesão do negacionismo, inspirado numa visão ideológica e numa visão política. Um equívoco.”

Embora o combate ao negacionismo tivesse o potencial de torná-lo favorito a uma eleição, o ex-tucano renunciou ao estado para tentar a Presidência. Ainda na pré-campanha, no entanto, desistiu da corrida ao Palácio do Planalto cedendo a pressões da cúpula do seu partido.

Doria, então, se afastou da política, e diz que quer continuar como está. “Não pretendo, não desejo e não voltarei.”

Ainda assim, tem opiniões. Sobre o governo Lula (PT), diz que o desabastecimento de vacinas foi uma falha da gestão Nísia Trindade, e que a estrita recomendação da vacina para Covid apenas para grupos prioritários no SUS (Sistema Único de Saúde) é um equívoco. Especialistas ouvidos pela Folha, porém, afirmam que essa medida é correta e segue a evolução natural da pandemia.

Embora lamente a saída de Nísia, “por ser uma boa pessoa”, afirma que a chegada de Alexandre Padilha pode ser contributiva para o SUS. “O ministro Alexandre Padilha, além de médico, conhece o SUS. E ele, na primeira gestão que fez como ministro da Saúde, ao meu ver, foi um bom ministro.”

Fora da política, diz que pode lutar pelo país como parte da sociedade civil. “Eu entrei [na política] como liberal, e saí como liberal social, isso foi um aprendizado da vida pública. Eu tinha uma visão muito liberal, portanto muito amparada no escudo empresarial. Mas, a prática e a vivência pública me ajudaram a entender também o social.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *