15 mar 2025, sáb

Carnaval era o paraíso para uma alcoólatra – 27/01/2025 – Vida de Alcoólatra

Mas é Carnaval/ Não me diga mais quem é você/ Amanhã tudo volta ao normal/ Deixa a festa acabar/ Deixa o barco correr/ Deixa o dia raiar…” A música não saía da minha cabeça enquanto ia de loja em loja no centro de São Paulo à procura da sapatilha ideal.

Minhas primas e eu havíamos combinado de pular o Carnaval no Rio de Janeiro. “Achei, Nanda. Uma sapatilha prateada ma-ra-vi-lhooo-sa! Escuta, eu comprei o voo das cinco e quinze da manhã, acho que nem vou dormir”. A Nanda, minha prima carioca, é a maior festeira e tinha acabado de chegar de um tempo fora do Brasil.

Não tinha nada que pudesse estragar a minha alegria, ainda mais porque o Juan, nosso amigo do Uruguai, também tinha confirmado presença e o pisco souer estava garantido. Aquela bebida peruana à base de limão e pisco era sua especialidade.

Cheguei às sete no apartamento da Nanda. Ela ainda dormia, mas o Juan já estava preparando o drink. Fui acordá-la com um copo na mão, cantando. Eu amava essas ocasiões em que beber de manhã estava liberado, assim eu ficava à vontade. Carnaval era sinônimo de álcool a qualquer hora, praticamente o paraíso para uma alcoólatra como eu.

Quando saímos de casa, eu já estava bêbada. Só que não dava bandeira, sempre tive uma resistência enorme.

Eu tinha comprado a passagem de volta para o fim da tarde, porque tinha que trabalhar no dia seguinte. Seria uma aventura rápida. No bloco, beijei o Juan logo de cara. E fui me enturmando com todos. Outra característica de quando eu bebia: fazia “amizade” com todo mundo, inclusive pagava bebida para qualquer um que pudesse me acompanhar.

O porre foi gigantesco. Beijei o Juan e mais umas três pessoas. Minha libido ficava nas alturas quando eu bebia. Depois desse bloco fomos almoçar. Todos pediram refrigerante e eu pedi um saquê. Não gostava de tréguas, queria cada vez mais bebida e loucura. Minha última lembrança desse dia foi o saquê e o olhar fuzilante da Tati: “Alice, toma uma água para poder aguentar a tarde”.

Lembro da sapatilha prateada, do pisco, de uma vaga sensação dos beijos e do saquê. Daí para frente só sei o que me contaram. Parece que eu dei tchau por volta de umas quatro e disse que estava a caminho do aeroporto.

Lá pelas oito, minha mãe ligou para Tati: Onde a Alice estava? Sempre sobrava para minhas amigas acalmarem minha mãe. Um clássico.

Às onze da noite eu apareci em casa (morava com minha mãe e irmã na época) como se nada tivesse acontecido. Abri a porta e a Mara deu um grito: “A Alice chegou!” A sala estava cheia de parentes. Aparentemente eu estava bem, com purpurina no rosto e alguns adereços. Muitos amigos já tinham sido acionados, ninguém sabia meu paradeiro.

Esse foi o primeiro dos muitos sustos que dei. Me contaram depois que fiquei gargalhando da situação, que não tinha graça nenhuma para os presentes, apenas para mim, que estava com a cabeça cheia de pisco, cerveja, pinga, saquê e sei-lá-mais-o-quê!

Às vezes me pego pensando como seria se eu ainda bebesse, quase que com alguma saudade. Claro, a bebida não é ruim, muito pelo contrário. Mas quando lembro desses episódios fico aliviada.

Hoje não gosto de Carnaval, prefiro tranquilidade. Acho lindo ver o desfile das escolas de samba. Na televisão, de longe. Já curti muita folia. Agora a sombra e o sossego me fazem cantar muito mais.


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