16 mar 2025, dom

Marco Pigossi: Sair da Globo foi a decisão mais acertada – 15/03/2025 – Ilustríssima

[RESUMO] Em entrevista à Folha, Marco Pigossi afirma que se sentia morto como artista ao repetir papéis de mocinhos em novelas e que deixar a Globo, em 2018, foi a decisão mais acertada que tomou. O ator interpreta um imigrante gay vivendo nos EUA em “Maré Alta”, longa dirigido por seu marido que reflete o próprio caminho de aceitação de Pigossi.

O ano era 2020. Marco Pigossi estava morando em Los Angeles, ainda isolado pela pandemia, aprendendo a surfar por conta própria no mar da Califórnia. Estava feliz com os rumos da sua carreira desde que saiu da Globo, em 2018, depois de 12 anos seguidos de novelas. Já tinha participado de duas séries da Netflix, a australiana “Tidelands” e a espanhola “Alto Mar”, quando conheceu o produtor italiano Marco Calvani por meio de amigos.

Ainda nas primeiras conversas, Pigossi disse que estava no processo de se assumir gay publicamente e procurava um projeto que tivesse a ver com o momento. Calvani contou que estava escrevendo um roteiro de longa para estrear como diretor, a história de um imigrante latino que recomeça sua vida em Provincetown, pequena cidade da costa de Massachusetts conhecida por ter uma das maiores comunidades gays dos EUA, referência do ativismo LGBTQIA+ nos anos 1980.

Esse primeiro contato não podia ser mais frutífero: começava ali um namoro que terminou em casamento e o drama “Maré Alta”, que estreia na próxima quinta-feira (20) nos cinemas.

Lourenço (Pigossi) é um jovem de Itu, no interior de São Paulo, que migra para os EUA. Com vergonha da vida dura que leva, mente para a mãe e diz que trabalha como diretor financeiro de um hotel. Lourenço nunca teve coragem de se assumir gay para a família e sofre com o fim de um namoro nos EUA até conhecer Maurice, que pode representar um recomeço em sua vida.

O ator, hoje com 36, afirma que Calvani ainda não tinha decidido o país de origem do seu protagonista até o conhecer. “O Marco tinha uma imagem do Brasil que muitos estrangeiros têm, de um país da liberdade sexual, onde não existe problema nenhum em ser gay. Expliquei que, na verdade, somos o país que mais mata LGBTs no mundo”, afirma.

“Maré Alta” rodou festivais no Brasil e no mundo, foi indicado ao Glaad Media Awards, premiação de obras LGBTQIA+ dos EUA, e conseguiu lançamento em salas independentes de seis cidades americanas.

Pigossi costuma dizer que “Maré Alta” é um filme muito pessoal sem ser autobiográfico. De certa maneira, é o ponto-final de um longo caminho de aceitação, que incluiu episódios de extrema ansiedade nos tempos de Globo, em que o ator se sentia cobrado por manter em público uma imagem de “machão” alinhada com os galãs que vivia nas novelas.

“Eu me considero um cara tímido, mas tive que aprender a existir —a existir publicamente, na frente de uma câmera, de um microfone”, diz. No final de 2021, ele publicou pela primeira vez nas redes sociais uma foto de mãos dadas com Calvani. “Postei e saí correndo. No fim, a reação foi surpreendente, uma onda de amor que eu jamais podia imaginar.”

Na esteira desse movimento, no início de 2022, Pigossi publicou um depoimento na revista piauí em que expôs a relação conturbada com o pai, de quem se afastou após saber que ele votou em Jair Bolsonaro em 2018.

Panelinha brasileira

“Maré Alta” também fez o ator olhar mais de perto a situação dos estrangeiros nos EUA, cada vez mais delicada em tempos de endurecimento das políticas anti-imigratórias do governo Trump. “É muito louco pensar que o imigrante é a pauta mais em voga nos EUA hoje, mas não tem nenhum tipo de voz na sociedade. Só se fala sobre isso no momento, mas eles não decidem absolutamente nada”, afirma.

Sua sorte foi bem melhor que a de Lourenço, o personagem. Ele não teve grandes dificuldades em obter seu “green card” para trabalhar como ator. Como costuma acontecer com brasileiros em qualquer lugar do mundo, ele rapidamente encontrou o que chama de sua panelinha em Los Angeles, ficando próximo de Wagner Moura, Alice Braga e Bianca Comparato, colegas que também fixaram residência na cidade.

Mas as amizades em Los Angeles vão além da panelinha e já lhe abriram boas portas. Com “Maré Alta”, Pigossi se aproximou de Marisa Tomei, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante de 1993 por “Meu Primo Vinny” e mais conhecida da geração Z como a tia do Homem-Aranha nos filmes da Marvel.

Depois de um espetáculo em que trabalharam juntos em Nova York, Calvani a convidou para viver o único grande personagem feminino de seu filme, uma grande amiga de Lourenço. “Fiquei surpreso ao descobrir que a Marisa tem um lugar enorme na comunidade gay americana”, diz Pigossi.

Foi Marisa que o apresentou a Ann Marie Allison, diretora da comédia romântica “You’re Dating a Narcissist!”, ainda inédita. Ela o escalou para viver o noivo narcisista do título, enquanto Marisa vive sua sogra, uma psicóloga desbocada que faz de tudo para impedir o casamento da filha com um ególatra.

Outra incursão inédita para ele foi o thriller “Bone Lake”, em que dois casais fazem uma reserva duplicada de um Airbnb à beira de um lago e acabam se afundando em uma espiral de sexo e sangue. Ele gosta de definir o filme como “uma mistura de ‘White Lotus’ com ‘O Massacre da Serra Elétrica'”.

Bandido e influenciador

Olhando os últimos sete anos em perspectiva e os caminhos que trilhou, o ator diz que não há motivos para se arrepender da sua saída da Globo. “Foi a decisão mais acertada que tomei. Fui muito feliz fazendo novela, mas, àquela altura [em 2018], já estava morto como artista. Cada novela tem uma história diferente, mas o arco do mocinho é sempre o mesmo”, afirma.

No momento, não há espaço em sua vida ou agenda disponível para um folhetim, que demanda muitos meses de gravação —tanto que ele recusou um convite para integrar o elenco de “Beleza Fatal”, a primeira novela do Max.

Mais do que os projetos americanos, no entanto, são dois filmes brasileiros que fazem seus olhos brilharem no momento. O primeiro é “Quarto do Pânico”, remake do thriller de 2002 dirigido por David Fincher, sobre uma mulher que precisa se trancar em um quarto secreto com sua filha quando três ladrões invadem sua casa.

Adaptada para São Paulo, a história tem Isis Valverde no personagem da mãe que foi de Jodie Foster. Pigossi encarna o bandido playboy que foi vivido por Jared Leto na versão americana. A direção é de Gabriela Amaral Almeida, conhecida por suspenses como “O Animal Cordial” e “A Sombra do Pai”. Caco Ciocler e André Ramiro (“Tropa de Elite”) completam a quadrilha, ao lado de Pigossi. “Tive que achar prazer na violência, algo que é o oposto da minha personalidade”, diz o ator.

O segundo é “Privadas de Suas Vidas”, terror “gore” (com muito sangue) que tem direção de Gustavo Vinagre (“Três Tigres Tristes”). Pigossi vive um influenciador de extrema direita que tenta ganhar dinheiro com o jogo do tigrinho e promove ao lado da esposa (Chandelly Braz) um grande chá revelação. Sem querer, a produtora do evento (Martha Nowill) desperta uma maldição que transforma as privadas do prédio em assassinas.

Pigossi define o filme como “‘A Substância’ nível 3”. “Não tem só sangue, tem muito cocô também. Foi uma experiência única, todo o mundo virou criança no set.” O elenco ainda conta com Otávio Muller e Maria Gladys.

As experiências e encontros dos últimos anos o fizeram rever o conceito de sucesso. “Aos 18, sucesso para mim era um contrato de longo prazo na Globo. Quando saí de lá, fiz duas séries gringas que não tiveram muito sucesso, mas nunca fui tão feliz na minha vida. Hoje, sucesso para mim é o processo, o trabalho em si. Até porque, se você se considera um artista bem-sucedido, não é um artista.”

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