17 mar 2025, seg

Por que agimos como se não houvesse crise do clima? – 15/03/2025 – Candido Bracher

A leitura da seção de Clima e Meio Ambiente dos jornais internacionais nos últimos dois meses certamente causaria surpresa e desconforto às mentes cartesianas acostumadas a estabelecer relações lógicas entre os fatos.

Além da confirmação de que 2024 foi o ano mais quente já registrado, o leitor encontraria manchetes como: “Janeiro mais quente já registrado choca cientistas” (Financial Times, 6/2), “Janeiro mais quente já registrado intriga cientistas do clima” (The Guardian 6/2), “Este foi o janeiro mais quente já registrado, segundo cientistas” (The New York Times, 6/2).

A leitura dos artigos explicaria que a surpresa decorre da permanência de temperaturas recordes, a despeito do resfriamento do oceano Pacífico, decorrente do fenômeno La Niña.

Outras manchetes teriam o mesmo tom: “Renomado cientista do clima adverte que o objetivo de (limitar o aquecimento a) 2ºC está morto” (The Guardian 4/2), “Geleiras da Europa encolheram 40% desde 2000” (Financial Times, 20/2), “Califórnia enfrenta seca agravada, apesar de temporais recentes” (The Guardian, 24/2), “No estado do hóquei, mudanças climáticas reduzem o número de ringues de patinação” (The Washington Post, 24/2), “A corrida de trenós puxados por cães mais famosa do mundo está com falta de neve” (The Wall Street Journal, 4/3).

No mesmo período e nos mesmos jornais, outras manchetes diriam: “Earth Fund com US$ 10 bilhões de Jeff Bezos corta vínculos com agência de clima” (Financial Times, 6/2), “UE exagera nas regras verdes, alerta chefe da Siemens Energy” (Financial Times, 12/2), “Suspensão de regra da SEC é presente antecipado para os apoiadores de Trump do setor de óleo e gás” (The Washington Post, 17/2), “Big Techs aprendem a compartilhar o entusiasmo de Trump pelos combustíveis fósseis” (The Washington Post, 23/2), “Eleições alemãs mostram o quanto a onda verde recuou na Europa” (The Guardian 24/2), “BP deve abandonar meta de renováveis e voltar a focar em combustíveis fósseis” (The Guardian 24/2), “Bancos rebaixam cargos de sustentabilidade” (Financial Times, 24/2), “Como Trump sabotou a política climática americana” (The New York Times, 2/3) e “Autoridades do governo Trump destroem proteções climáticas e consideram ocultar descobertas-chave sobre gases de efeito estufa” (Guardian, 13/03).

Procurando ater-se à racionalidade, esse leitor poderia supor que tais retrocessos decorrem da descrença honesta de certas pessoas nas projeções científicas, acreditando que as “mudanças climáticas” são uma farsa engendrada pela esquerda.

Afinal, não seria a primeira vez que previsões apocalípticas se mostrariam infundadas. Gosto da definição de Idade Média que Rui Tavares oferece em seu admirável “Agora, Agora e Mais Agora”: “Cerca de mil anos em que o fim do mundo estava para breve”.

Outras previsões também falharam: o cometa Halley, em 1910, a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, a previsão de Nostradamus para 1999 e mesmo a pandemia de Covid, em 2020. Não seria assim inverossímil que pessoas bem-intencionadas manifestassem uma descrença atávica em teorias de colapso.

Nosso leitor cartesiano poderia, porém, achar improvável que pessoas bem formadas, com vasto acesso a informações, simplesmente desconsiderem a abundância de evidências científicas do aquecimento global e todas as suas consequências desastrosas.

Nesse caso, poderia atribuir a intensificação da exploração e uso de combustíveis fósseis ao fenômeno, que também tem precedentes históricos, da adoção de atitudes tresloucadas diante da certeza do ocaso.

Como ilustração, em vez de recorrer à história, prefiro lembrar a música “E o Tal do Mundo Não Se Acabou”, interpretada por Carmem Miranda, na qual a personagem diz: “Acreditei nessa conversa mole/pensei que o mundo ia se acabar/e fui tratando de me despedir/e sem demora fui tratando de aproveitar”.

Uma última hipótese a considerar seria a de que os responsáveis pelo aumento de emissões de carbono, embora não desacreditem das previsões científicas, creiam que algo acontecerá —uma nova tecnologia, possivelmente— de modo a evitar o apocalipse.

Nosso leitor, porém, duvidaria da honestidade dessa crença, por ser demasiadamente autoindulgente, e a enquadraria juntamente com a simples indiferença egoísta diante do destino da humanidade. Irracional, porém humano.

Seja como for, esse comportamento deletério, além dos efeitos diretos sobre o aquecimento, tem consequências ainda mais graves. Refiro-me ao desalento resultante da percepção de uma situação de “liberou geral”, de “passagem da boiada”, diante da qual é inútil resistir.

É importante termos presente que será nesse cenário conflagrado que em novembro se realizará a COP30, em Belém. Não devemos nos sentir desestimulados por isso, ao contrário, mas deixar de reconhecer dificuldades nunca foi bom método para as superar.

Caberá à coordenação da reunião, em vez de ceder às pressões contrárias, usá-las como elemento promotor da união entre países e agentes privados comprometidos com o combate ao aquecimento.

Entre os objetivos a serem perseguidos, podemos enumerar a costura de uma aliança entre países interessados em desenvolver um mercado comum de carbono; redobrar esforços para atingir a meta de financiamento de US$ 1,3 trilhão; avançar na discussão sobre uso da terra, tão relevante para a agricultura e para a promoção dos biocombustíveis; buscar estabelecer critérios globais para a mensuração do conteúdo de carbono dos diversos produtos e estimular a China a ocupar o espaço deixado pelos EUA.

Sabemos que nossa equipe, chefiada pelo embaixador André Corrêa do Lago, já está empenhada na articulação de diversos desses objetivos; sabemos também que a tarefa é extremamente árdua e desafiadora.

É importante termos presente que o combate ao aquecimento global é um processo longo e descontínuo; uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Cada passo dado é importante, ainda que o efeito seja apenas o de fazer uma profissão de fé e denunciar aqueles que sabotam o esforço.

A verdade dessa afirmação pode ser aferida ao pensarmos no papel singular que teve a anticandidatura de Ulysses Guimarães, em 1974, no também longo processo do Brasil em direção à democracia. Em seu discurso diante do Colégio Eleitoral que confirmou a vitória do general Ernesto Geisel, tomou emprestada de Fernando Pessoa a frase que designa o combate pelas boas causas, que agora aplico também à resistência que a COP30 exercerá contra um cenário adverso: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.

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