17 mar 2025, seg

Tarifas de Trump preocupam produtores de champanhe – 16/03/2025 – Mercado

Os produtores de champanhe franceses obtêm quase US$ 1 bilhão (R$ 5,74 bilhões) em negócios com os EUA todos os anos. Mas na sexta-feira (14) em Épernay, a capital mundial do vinho espumante, o único número na boca de todos era 200.

Esse era o percentual de tarifa que Donald Trump ameaçou impor sobre o champanhe e outros vinhos e destilados europeus exportados para os Estados Unidos, em uma guerra comercial que explodiu na semana passada depois que a União Europeia contra-atacou as penalidades de Trump sobre aço e alumínio com suas próprias tarifas sobre produtos norte-americanos.

A ameaça de três dígitos caiu como um raio em Épernay, abalando trabalhadores nos campos próximos, produtores em pequenas aldeias e as casas que margeiam a Avenue de Champagne, o boulevard central de Épernay e um patrimônio da Unesco que exala riqueza de bom gosto.

“Uma tarifa de 200% é projetada para garantir que nenhum champanhe seja enviado para os Estados Unidos”, comentou Calvin Boucher, gerente da Michel Gonet, uma casa de champanhe de 225 anos na avenida.



Esse negócio seria esmagado

Atualmente, a empresa produz 200 mil garrafas por ano, sendo que 20% a 30% são exportadas para comerciantes e restaurantes de vinho dos EUA. Boucher prevê que o preço de um champanhe de US$ 125 (R$ 718,64) mais que triplicaria da noite para o dia.

Épernay está no coração de uma região que produz o melhor espumante do mundo. Os Estados Unidos são seu maior mercado estrangeiro, com 27 milhões de garrafas enviadas para lá em 2023, avaliadas em cerca de 810 milhões de euros (R$ 5,09 bilhões).

As uvas chardonnay, pinot noir e meunier cobrem as colinas ondulantes e os vales profundos de Champagne, que se estende por quase 210 quilômetros quadrados, da cidade de Reims ao rio Aube. A área está sob o rigoroso sistema de Appellation d’Origine da França, que garante que apenas o vinho espumante feito aqui, usando métodos específicos, possa ser legalmente chamado de champanhe.

Com mais de 4.000 vinicultores independentes e 360 casas de champanhe, a região produz cerca de 300 milhões de garrafas anualmente, com mais 1 bilhão descansando em adegas. As maiores casas —incluindo Dom Pérignon, Veuve Clicquot e Moët & Chandon, pertencentes ao conglomerado de luxo LVMH— dominam a produção e as exportações e representam um terço das vendas totais.

Mas tais números não aliviaram a preocupação após a ameaça de Trump. Perto da Avenue de Champagne, Nathalie Doucet, presidente da Besserat de Bellefon, uma casa de champanhe especializada que exporta 10% de sua produção premium para os EUA, disse que a guerra comercial a deixou ansiosa.

“Estamos esperando para ver o que acontece, mas não é uma boa notícia”, afirmou Doucet, cujo champanhe é feito com um processo trabalhoso de baixa pressão que lhe confere uma acidez nítida e uma efervescência fina.

SETOR VIVE MOMENTO RUIM

A região de Champagne já teve um ano difícil com o mau tempo que reduziu a colheita. O consumo diminuiu à medida que os jovens mudaram de hábitos e passaram a consumir coquetéis e cervejas artesanais. As vendas de champanhe diminuíram desde a pandemia, caindo 9% no ano passado.

Doucet relembra que, simultaneamente, a Europa também estava lidando com guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. E agora a guerra comercial com os Estados Unidos, um dos aliados tradicionais da França, por questões que nada têm a ver com champanhe, a fez sentir-se como dano colateral.

“Parece uma punição deliberada”, avaliou Cyril Depart, proprietário da loja de vinhos Salvatori, perto da avenida, que oferece uma ampla variedade de champanhes artesanais. Sua mulher era gerente de exportação de uma das grandes casas de champanhe e já estava calculando o impacto potencial.

Leah Razzouki, uma residente de Épernay cuja família trabalha no negócio de champanhe há gerações, disse que estava furiosa. “Muitos de nossos amigos são pequenos produtores e seriam muito atingidos”, avaliou.

TEMOR DE UM EFEITO CASCATA

O dano de uma guerra comercial se espalharia muito além das empresas na região de Champagne, atingindo importadores e distribuidores americanos e colocando em risco inúmeras pequenas empresas.

Michael Reiss, presidente da distribuidora Vineyard Road, disse que pequenas empresas como a dele, incluindo restaurantes e lojas de varejo, seriam “muito prejudicadas”. A Vineyeard Road é um pequeno distribuidor em Framingham, nos EUA, que importa champanhe e vinhos da Europa e os distribui no estado da Nova Inglaterra.

Para ele, o ambiente comercial imprevisível poderia forçar as empresas a cancelar investimentos planejados.

Para piorar a situação, tarifas aplicadas no início da cadeia de suprimentos podem se multiplicar, à medida que cada empresa que lida com o produto aumenta o preço, disse Reiss. “Então, mesmo uma tarifa de 25% pode facilmente levar a um aumento de 40% a 60% nos preços”, indicou.

“(A tarifa de 200%) eliminaria a possibilidade de as pessoas comprarem coisas que lhes trazem alegria em suas vidas”, complementou.

Mesmo dentro do Museu do Champanhe, na fronteira da avenida em Épernay, a conversa se voltou para as ameaças de Trump. Sacha Raynaud, cuja família possui uma pequena casa de champanhe, trouxe um amigo para aprender a história da bebida, que apareceu pela primeira vez no século 17 nas mesas da realeza, dando à bebida o apelido de “o rei dos vinhos”.

“Os franceses estão acordando para o que está acontecendo nos Estados Unidos e começando a falar sobre boicotar produtos americanos”, disse Sacha.

Preocupações semelhantes circulavam nos campos. Trabalhando sob uma luz matinal dourada, uma dúzia de trabalhadores do campo amarrava vinhas marrons em fios antes da temporada de crescimento da primavera (outono no Brasil) em solo recém-arado, à sombra da cidade produtora de champanhe de Reuil, a oeste de Épernay.

Mesmo esses empregos estavam em risco, comentou Patrick Andrade, que dirige uma pequena empresa que ajuda a manter os vinhedos de champanhe. O terreno de 12 hectares pertencia a uma pequena casa que exporta para os Estados Unidos, disse.

Se as vendas caírem, os produtores de vinho precisariam de menos trabalhadores do campo, e haveria menos trabalho para operadores de tratores e fabricantes de rolhas e de garrafas. No pior dos casos, acrescentou, isso poderia forçar os produtores de champanhe a considerar destruir as vinhas.

Na sexta-feira (14), o ministro das Relações Exteriores da França, Eric Lombard, chamou a guerra comercial de “idiota” e afirmou que viajaria para Washington em breve. “Precisamos conversar com os americanos para diminuir a tensão”, disse ele à televisão francesa.

As maiores casas de champanhe da França permaneceram em silêncio, recusando-se a dizer qualquer coisa enquanto esperavam para ver como a ameaça de Trump se desenrolará —e se as autoridades europeias conseguiriam fazê-lo recuar.

Nos bastidores, uma das apostas é que Bernard Arnault, dono do império LVMH que domina grande parte da produção de champanhe, possa ajudar, já que tem uma relação de longa data com o presidente dos EUA e foi convidado por Trump para sua posse.

Mas, por enquanto, isso é apenas especulação. A realidade é que nada é certo —e a incerteza é ruim para os negócios.

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