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Guerra às drogas representou 75% da violência sob Duterte – 16/03/2025 – Mundo

A guerra às drogas do ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte, atualmente preso em Haia enquanto é julgado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), foi responsável por 75,6% dos eventos violentos contra civis ao longo de seu mandato, de 2016 a 2022.

Durante seu governo, houve ao menos 7.952 episódios de violência contra civis causados por milícias, grupos criminosos ou pelo próprio governo, de acordo com informações reunidas pelo Acled (Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados, na sigla em inglês), com base em jornais filipinos e internacionais, e analisadas pela Folha. Desses, 6.015 tinham alguma relação com drogas.

O número é desproporcional ao tamanho do problema de dependência química no país asiático, de acordo com especialistas. A nação não sofria uma epidemia de drogas quando Duterte chegou ao poder com uma campanha na qual pediu para a população “esquecer os direitos humanos” para combater o tráfico.

Segundo dados oficiais, 6.200 suspeitos foram mortos durante operações antidrogas nos seis anos em que o ex-presidente liderou o país, mas os números estimados pela sociedade civil são maiores.

De acordo com o Acled, por exemplo, 8.388 pessoas morreram nesse período por ações do governo ou de milícias possivelmente associadas ao Estado em casos relacionados a drogas, enquanto organizações de direitos humanos falam em até 30 mil.

A diferença nos números se deve às circunstâncias suspeitas em que ocorreram muitos dos assassinatos —alguns realizados por milícias ou grupos dos chamados “vigilantes antidrogas”. Ao longo de seu mandato, familiares de vítimas, muitas vezes acompanhados de jornalistas, exumaram os corpos de seus parentes para investigar mortes registradas como naturais. Em diversos casos, os corpos tinham marcas que indicavam mortes violentas.

“Uma parte significativa dos mortos nem sequer estava envolvida no tráfico de drogas. Eles morreram apenas porque, um ano antes, por exemplo, alguém disse à polícia que eles tinham relação com tráfico”, afirma Joel Ariate, pesquisador e membro do projeto Dahas, que acompanha a violência relacionada a drogas nas Filipinas. Ele se refere às “listas de observação” que, suspeita-se, eram elaboradas informalmente com a ajuda de moradores e definiam alvos da polícia e de grupos não estatais.

A matança rendeu a Duterte uma investigação no TPI, corte sediada em Haia responsável por processar indivíduos devido a violações que incluem crimes contra a humanidade e genocídio, por exemplo. Sua defesa repete o que o líder costuma dizer quando questionado sobre possíveis ilegalidades em suas medidas —ele não teria ordenado que a polícia matasse suspeitos de tráfico, a menos que fosse em legítima defesa.

A declaração diverge das frases de sua vitoriosa campanha nas eleições de 2016. Naquele ano, ele prometeu perdão aos integrantes da força de segurança envolvidos em “homicídios múltiplos” e falou, em entrevista à agência de notícias Reuters, em “matar cinco criminosos por semana”.

“Vocês, traficantes de drogas, assaltantes e desocupados, é melhor saírem. Porque eu mataria vocês”, afirmou ele no último comício antes de ser eleito. “Vou jogar todos vocês na baía de Manila e engordar todos os peixes de lá.”

Foi o tipo de retórica que, segundo o pesquisador de direitos humanos Karl Arvin F. Hapal, professor assistente da Universidade das Filipinas, rendeu popularidade ao político em um país em que a violência era um problema com frequência sobreposto a outros, como desemprego e inflação.

“O que Duterte fez foi colocar o crime violento —especificamente aqueles perpetrados por dependentes químicos— no centro do discurso público. As histórias macabras que ele contava tornaram esse tipo de crime uma questão emocional que apela a muitos filipinos, especialmente porque diz respeito à segurança pessoal”, afirma Hapal.

Em 2015, antes de o líder chegar ao poder, cerca de 1,8 milhão de pessoas eram usuárias de drogas no país, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre a Natureza e a Extensão do Abuso de Drogas da Presidência —isso em um universo de 110 milhões de pessoas que moram no arquipélago do oceano Pacífico.

O número não é alarmante, o que não o impediu de colocar o usuário de drogas como alvo de seu governo. “A guerra às drogas de Duterte visou desproporcionalmente usuários e pequenos traficantes. Em seus discursos, ele frequentemente afirma que não consegue matar os ‘peixes grandes’ porque estão em águas internacionais ou no exterior, em uma alusão à indústria transnacional de tráfico”, afirma Hapal.

O local que teve maior número de eventos violentos durante a gestão Duterte foi Manila —foram 365 episódios. Em seguida, vem Cidade Quezon, com 349, e Caloocan, com 217, ambas na região metropolitana da capital.

Nos primeiros meses de seu governo, casos de violência dispararam nas Filipinas. O pico ocorreu entre julho de 2016 e outubro de 2017, chegando ao máximo de 34 eventos no dia 3 de agosto de 2016. Entre todos os dias analisados, 75% dos eventos registrados tiveram a morte de pelo menos uma pessoa.

De acordo com especialistas, os métodos usados nacionalmente são parecidos com os que o ex-líder aplicou em Davao, cidade no sul das Filipinas governada por ele por 22 anos. Segundo a Coalizão contra a Execução Sumária, um grupo de direitos humanos local, houve 1.400 assassinatos por esquadrões da morte ali de 1998 a 2015 —período em que Duterte esteve no poder da cidade, com breves interrupções.

Ex-reduto de grupos comunistas que se levantaram contra a ditadura de Ferdinando Marcos (1965-1986) e, consequentemente, de forças anticomunistas apoiadas no passado por potências estrangeiras, Davao era conhecida por ser uma região violenta.

Em um relatório divulgado em 2009, a Human Rights Watch traçou um perfil dos chamados “assassinatos seletivos” na região, que vinham aumentando nos anos anteriores e seguiam um padrão, segundo a ONG de direitos humanos.

“Os agressores geralmente chegam em duplas ou trios em uma motocicleta sem placa. […] Eles atiram ou, cada vez mais, esfaqueiam suas vítimas sem aviso, geralmente em plena luz do dia e na presença de várias testemunhas oculares, pelas quais demonstram pouca consideração”, afirmou a entidade. “Encontramos evidências de cumplicidade e, às vezes, envolvimento direto de funcionários do governo e membros da polícia em assassinatos pelo chamado Esquadrão da Morte de Davao.”

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