O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), agradou aliados de Jair Bolsonaro (PL) e membros de alas mais moderadas do PL ao endurecer as críticas ao governo Lula (PT) no discurso que fez no ato bolsonarista de domingo (16), na praia de Copacabana, no Rio.
Para o grupo, o discurso acertou nas frases de efeito usadas para criticar a inflação e lembrar as acusações de corrupção que marcaram as gestões petistas, mas sem deixar de mostrar lealdade ao ex-presidente, colocando Tarcísio na prateleira de presidenciáveis do eleitorado antipetista caso a inelegibilidade de Bolsonaro se mantenha.
Além disso, esses aliados consideram que a subida de tom contra o governo Lula se deu de forma a não alterar a relação entre o presidente e o governador, já que ambos têm uma posição pragmática sobre parcerias já assinadas, como financiamentos do BNDES para obras de transporte público e o túnel entre Santos e Guarujá, no litoral.
O entendimento de aliados de Tarcísio ouvidos sob reserva, no entanto, é que a manifestação teve pouco efeito prático para atingir seu objetivo principal: sensibilizar o Congresso e a sociedade para o que chamam de “anistia humanitária” às pessoas presas —e parte já condenada— pela invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro.
Tarcísio fez uma fala de seis minutos no carro de som de Bolsonaro. Na primeira metade do discurso, fez referências indiretas aos casos de corrupção envolvendo o PT durante a Operação Lava Jato, parcialmente anulada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), e à atual carestia, que associou à irresponsabilidade do governo.
Ele disse que os já condenados pelo 8 de janeiro são “inocentes que receberam penas desarrazoadas”, enquanto “os caras que assaltaram o Brasil e a Petrobras voltaram à cena do crime, voltaram à política e foram reabilitados”.
O governador defendeu que a anistia era necessária para “pacificar” o país, permitindo que os grandes temas nacionais pudessem ser discutidos, e falou sobre a inflação.
“Ninguém aguenta mais a inflação porque tem um governo irresponsável que gasta mais do que deve. Ninguém aguenta o arroz caro, o feijão caro, a gasolina cara, o ovo caro. Prometeram picanha, não tem nem ovo”, disse.
Já a segunda metade foi dedicada a exaltar Bolsonaro. Tarcísio lembrou o atentado sofrido pelo ex-presidente em Juiz de Fora (MG), durante a campanha de 2018. Disse ainda que Bolsonaro “levou água para o Nordeste”, “isentou motos de pedágio”, “criou o Pix” e “garantiu auxílio emergencial no momento mais importante da pandemia”.
Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que cassou seus direitos políticos após julgamento por abuso de poder em 2022. Ele convocou diplomatas estrangeiros para uma reunião em que fez ataques infundados contra as urnas eletrônicas. Além disso, neste ano, ele foi denunciado por liderar a tentativa de golpe que terminou nos ataques de 8 de janeiro e pode ser preso.
Tarcísio, ao defender Bolsonaro nas últimas semanas, tem acumulado distorções e omissões sobre atitudes golpistas do aliado. O governador já disse, por exemplo, que o ex-presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado democrático, embora Bolsonaro tenha proferido seguidas ameaças às instituições, além de se recusar a reconhecer o resultado da eleição de 2022.
Um auxiliar de Bolsonaro disse que o governador de São Paulo conseguiu se posicionar no evento de domingo como um fiel aliado do ex-presidente, mas sem se colocar como presidenciável. Segundo esse auxiliar, a satisfação de Bolsonaro com a fala ficou explícita pelas duas citações elogiosas feitas pelo ex-presidente, que falou após Tarcísio e exaltou o trabalho do governador enquanto era seu ministro da Infraestrutura.
Já um membro do primeiro escalão de Tarcísio disse que, nos encontros com o governador, Lula costuma colher mais frutos, pois a base bolsonarista mais radical desaprova esse tipo de relação. Desse modo, do lado de Lula, na visão desse auxiliar, não haveria motivo para rusgas mais duradouras.
Aliados do presidente ouvidos pela Folha, por sua vez, consideram que Tarcísio se colocou pela primeira vez como possível presidenciável com o discurso de domingo. Na visão deles, contudo, isso poderia até enfraquecer o governador politicamente por criar uma indisposição com apoiadores de Bolsonaro —o que os bolsonaristas entrevistados pela reportagem discordam.
Mas os petistas convergem com a visão dos bolsonaristas acerca do futuro da relação entre Lula e Tarcísio. Eles afirmam que o presidente deve manter uma postura “pragmática” em relação ao governador.
Deputados bolsonaristas afirmaram ainda que o ato de domingo teve entre seus objetivos quebrar a resistência da militância a negociações com a classe política para a aprovação do projeto de lei da anistia.
Eles destacam que o ex-presidente chegou a mencionar no palanque a reunião que teve há algumas semanas com Gilberto Kassab (PSD), aliado de Tarcísio e desafeto dos demais bolsonaristas.
Contudo, o grupo projeta que os apoios obtidos até o momento em relação ao projeto de lei referem-se apenas à aprovação do regime de urgência do texto, que está parado em uma comissão especial instalada em outubro.
Na votação em si, há receio de que deputados que votariam pela aprovação da urgência não votem pela aprovação final do texto, que poderia beneficiar Bolsonaro. Além do PSD de Kassab, o Republicanos de Tarcísio também é colocado em dúvida.
O cenário adverso se agrava, na avaliação de um parlamentar do grupo, pelo fato de que a manifestação teve público menor do que o esperado — o Datafolha estimou 30 mil pessoas no ato, ante uma expectativa de 1 milhão de presentes.