18 mar 2025, ter

Estamos, meu bem, por um triz – 17/03/2025 – Opinião

Desde os anos 1940, a ONU realiza anualmente a Comissão sobre a Situação da Mulher. Neste momento, ocorre a 69ª edição em Nova York —sob tentativas da extrema direita de todo o mundo, liderada por Donald Trump, de esvaziar fóruns multilaterais e de impor todos os retrocessos possíveis quando o tema é gênero.

Não é uma conferência comum: a CSW69 marca os 30 anos da Conferência de Pequim, momento histórico em que foi ratificado um documento e uma plataforma de ação visando a igualdade de gênero e o empoderamento de meninas e mulheres que teve força singular. Pequim foi um marco e está sob ataque.

A Plataforma de Pequim, resultado das negociações de 1995, reforçava o compromisso de eliminar a violência contra mulheres e meninas; reconhecia que eram necessários recursos e financiamento para alcançar progressos; demandava o desenvolvimento de sistemas nacionais em consonância com os mecanismos internacionais; e enfatizava a prevenção, instando governos a investirem em educação e campanhas de conscientização.

Num momento em que a palavra “gênero” era tabu, Pequim foi revolucionária. E o foi por causa da sinergia entre governo e sociedade civil brasileiros e a liderança que este grupo, unido, desempenhou. Lideramos uma revolução e somos reconhecidas por nossas pares por isso. Hoje estamos lutando para defender nosso feito e os resultados positivos que beneficiaram mulheres do planeta inteiro.

A delegação brasileira chegou em Nova York forte, acompanhada por mais de 150 representantes da sociedade civil organizada. Com destaque para as jovens, brilhantes e preparadíssimas representantes do movimento negro. Especialistas em revolução e resiliência. Mas chegamos todas com medo das ameaças de países como EUA e Argentina (incensados por seus títeres brasileiros), que prometiam liderar o efeito rebote. Os artífices do “backlash” se declaram antidireitos, antigênero, contra a igualdade e a inclusão e anunciaram que truncariam o processo e impediriam qualquer avanço. Queriam desmontar a Plataforma de Pequim.

O que vimos nesta primeira semana foi algo diferente. Por enquanto, temos conseguido preservar o legado de Pequim, embora tudo esteja sempre por um triz. E isso tem sido conquistado, sem sombra de dúvida, devido à insistência dos movimentos de mulheres do Brasil, que a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, chamou —muito apropriadamente— de movimento feminista mais aguerrido do mundo. E de sua capacidade de trabalhar bem com as representantes do governo que estão aqui.

Os louros, é justo, devem ser divididos com o time do ministério e sua líder. Sua experiência e sensibilidade têm sido chave em Nova York. E sua dedicação tem colhido frutos que beneficiam todas as brasileiras e o futuro de meninas e mulheres de todos os países, aqui em debate.

Há problemas, dificuldades. Há muito por fazer e melhorar. Mas a feliz parceria entre governo e sociedade civil tem, até aqui, impedido retrocessos relevantes. Liderado blocos. Contornado posicionamentos infelizes de países de direita, diluindo seu impacto. Tudo isso num ambiente hostil. O “backlash” está jogando em casa.

A conferência termina só na sexta-feira (21), temos chão pela frente. Mas seria importante que a ministra Cida Gonçalves pudesse voltar à Brasília com a segurança de que terá tempo para implementar o que foi conquistado na ONU e que poderá, ao menos, liderar a pasta até a importante 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, marcada para setembro. Amputar esse curso seria trágico para as brasileiras.

Nenhuma mudança na Esplanada, por mais bem-intencionada que possa soar, parece fazer sentido para as que testemunham o papel proativo e positivo que o Brasil tem desempenhado na CSW69. Temos ouvido nomes circular na imprensa brasileira. Sabemos da necessidade legítima de buscar sempre a composição, de serenar inquietudes de uma coalizão que não pode caducar. Mas seria uma pena sacrificar tamanho potencial e não dar chance à união entre governo e movimento de mulheres tentar botar para girar o que conquistou na terra dos que querem convencer o mundo de que “gênero” é palavrão e antônimo de “família”.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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