19 mar 2025, qua

Sobriedade não é ideia nova, mas foco agora é a saúde – 18/03/2025 – Equilíbrio

Há cem anos, vigorava nos Estados Unidos a Lei Seca (1920-1933), regra que coroou o sucesso do movimento pela temperança, quando protestantes lideravam esforços pelo corte ou redução do consumo de álcool. Hoje, a bebida é liberada no país —mas os adeptos da sobriedade não param de aumentar, cenário que se repete mundo afora.

Se nos loucos anos 1920 pipocaram bares clandestinos, apelidados de speakeasy, agora ganham tração os mocktails —coquetéis sem álcool. A mudança no gosto do público jovem acontece junto de novos alertas de saúde relativos à substância: estudos sugerem que não há quantidade de álcool que seja livre de riscos e tendências como o Dry January —o janeiro seco, em que se evita beber no primeiro mês do ano— ganham as redes sociais.

Segundo Rod Phillips, crítico gastronômico especialista em vinhos e autor de “Alcohol: A History” [Álcool: uma história], o álcool foi parte central da vida social europeia por milhares de anos —principalmente entre as classes abastadas.

“Temos a impressão que todo mundo estava bebendo, mas, na verdade, muitos nem sequer podiam pagar por isso. Mal podiam pagar por pão”, diz Phillips. “Poucos estavam comprando cerveja, vinho ou conhaque. Então grandes grupos da população nunca beberam álcool, principalmente mulheres e crianças. Quando falamos de consumo de álcool no passado, falamos de homens e, no geral, homens que não eram pobres.”

Gradativamente, o álcool se popularizou e virou até recomendação de saúde. O autor lembra que o álcool era considerado saudável, principalmente o vinho, que chegou a ser recomendado diariamente como garantia de um coração forte. Até bebidas mais pesadas, destiladas, eram consideradas boas para o corpo.

Phillips diz que a industrialização de bebidas alcoólicas e a consequente queda no preço contribuíram para que a substância chegasse a novos públicos, principalmente homens que trabalhavam em grandes centros urbanos.

Tudo mudou com o movimento pela temperança. Segundo o historiador americano Chris Finan, autor de “Drunks: an american history” [Bêbados: uma história americana] , o movimento via o consumo de álcool como “um fracasso em aceitar a Deus, em viver uma vida cristã”.

Phillips pondera que apesar da conexão do movimento com a religião, ela não era generalizada. Os católicos não embarcaram na ideia tanto quanto protestantes, o que refletiu nos países que acabaram com leis secas: Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Noruega e Islândia.

Movimentos sufragistas da época também apoiavam a abstinência em alguma medida, sob a bandeira de que o álcool tornava os homens violentos e colocava famílias em risco. A lei seca dos Estados Unidos entrou em vigor no mesmo ano que o voto feminino foi conquistado.

Segundo Finan, a abstinência era popular. “As pessoas cortavam a bebida de suas vidas de boa fé”, diz. “Mas essas não eram as que tinham problemas com álcool. A maioria não bebia e adotar a temperança não era um grande sacrifício. E os que tinham problemas com álcool, que não conseguiam parar por conta própria, acabaram negligenciados.”

Demorou para que o alcoolismo fosse reconhecido como uma doença, segundo Finan. “Não houve uma tentativa de ajudar pessoas com alcoolismo sério até os anos 1840.”

Nesse momento, foi fundado o grupo Washingtonian, em que pessoas dividiram suas experiências com a meta de atingir a sobriedade total. É uma versão quase cem anos antecipada dos Alcoólicos Anônimos, fundado em 1935.

“O sucesso da organização foi surpreendente. As pessoas tidas como alcoólatras eram vistas como perdidas para sempre”, diz Finan. “Os washingtonianos ajudaram muita gente a atingir a sobriedade e isso encorajou médicos a olhar para a questão. Foi a primeira vez que o alcoolismo foi percebido como doença.”

Antes, o alcoolismo era considerado um problema das classes trabalhadoras e das mulheres, muito mais do que das classes média e alta, segundo Phillips. “Tendemos a aceitar melhor quando ricos bebem porque eles tendem a fazer isso de forma privada. Eles não bebem em pubs, bares ou na rua.”

Noções como os perigos de acidentes e violência estavam por trás do pleito pela sobriedade. “Sempre houve a crença de que beber demais era ruim. Mas não foi entendido como doença até a segunda metade do século 19”, diz Phillips.

Com o início da compreensão de que o consumo excessivo de álcool poderia ser uma doença, caía por terra a ideia de que a abstenção de álcool dependia apenas da vontade de quem bebia.

Hoje, segundo os pesquisadores, a tendência das novas gerações a recusar e reduzir o álcool tem ecos nos aspectos de saúde relativos à substância. “Antes, importava a religião. Hoje, nem tanto”, diz Phillips.

“Houve uma grande mudança na forma como as preocupações são entendidas. Antes, a justificativa para a sobriedade era feita em termos morais, como se o álcool causasse pobreza, imoralidade, violência e estivesse por trás de apostas e da prostituição.” Agora, ele diz, importam os indicativos de que o álcool é prejudicial à saúde.

“Jovens estão bebendo menos”, diz Phillips. “Quando eu ia à França, era comum que quase todo mundo bebesse vinho no almoço. Hoje, eu costumo ser a única pessoa com uma taça.”

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