19 mar 2025, qua

Milton Nascimento é um gigante frágil em novo documentário – 18/03/2025 – Ilustrada

“Milton Bituca Nascimento” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira como o registro audiovisual da turnê mundial derradeira do cantor, que passou por Europa, Estados Unidos e Brasil em 2022 e 2023. Para a diretora Flavia Moraes, é muito mais um “road movie” do que um documentário. Basta assistir para perceber que ele vai muito além disso.

O filme resgata Milton Nascimento, aos 82 anos. Não apenas sua música, que está ali arrancando aplausos e reverência de plateias em Lisboa, Londres, Veneza, Barcelona, Los Angeles, Nova York, Ouro Preto, São Paulo, Rio e Belo Horizonte. O que surge com vigor na tela é a figura, o homem Milton Nascimento.

“Tem ali um resgate do tamanho do Milton. Quando a gente começou o filme, ele estava muito caído, saindo da pandemia”, diz Victor Pozas, diretor musical e idealizador do documentário.

“Praticamente não caminhava”, afirma Moraes, a diretora. “Eu falava com o Victor: ‘esse cara não chega no final da turnê!’. E ele foi se fortalecendo, crescendo com o carinho do público. A estrada devolveu o verdadeiro Milton.”

No início da década, problemas de saúde debilitaram o cantor. Ele apareceu em fotos de cadeira de rodas, tinha dificuldade para se movimentar. Ainda, há dois anos, o músico recebeu um diagnóstico de Parkinson, conforme disse seu filho numa entrevista, neste mês.

“Nós tivemos a preocupação de nunca expor alguma cena que pudesse mostrar o Milton abatido. Às vezes ele tinha dor, havia muita tensão no seu rosto”, diz a diretora, que explica como ela buscou uma posição de reverência na captação das imagens.

“Eu não tinha autorização dos teatros para ficar com a câmera na frente dele, e quis outra coisa. Eu estava seguindo o Milton, estava atrás dele. Logo, ele me leva e eu levo o filme junto. Segui atrás de sua figura. Às vezes eu ficava ao lado, procurando o melhor perfil. Transparece no filme que ele está frágil, claro, mas também gigante.”

Por isso, o documentário, com narração de Fernanda Montenegro, surpreende ao mostrar um artista tão ativo, viajando e cantando, e tão reverenciado, elogiado por uma verdadeira constelação da música brasileira e mundial que bate ponto no filme para falar dele.

Os realizadores fugiram de uma fórmula preguiçosa, que poderia apenas alternar as imagens de Milton na turnê com declarações soltas de personalidades destacando o seu trabalho. Com 120 horas de entrevistas nas mãos, Flavia Moraes apresenta um trabalho de edição onde ela emenda respostas de vários convidados a respeito de um determinado aspecto da carreira de Milton, transformando dezenas de depoimentos isolados numa conversa inteligente.

A questão da negritude, por exemplo, vira uma discussão com nomes como Caetano Veloso e Mano Brown. A lista desses “debatedores” tem Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Ronaldo Bastos e Márcio Borges, seus companheiros do Clube da Esquina, e amigos célebres: Chico Buarque, Gilberto Gil, Criolo, João Bosco, Sérgio Mendes, Djavan, Ivan Lins, Simone e muitos outros.

E os parceiros internacionais estão no filme. Como Wayne Shorter, Pat Metheny, Stanley Clarke, Steve Jordan, Quincy Jones, Paul Simon, Herbie Hancock, Carminho, Esperanza Spalding e o cineasta Spike Lee. A diretora relata o trabalho que tantas estrelas juntas demandaram.

“O Milton ia cruzando com eles, convidava e então todos apareciam. E pediam para falar no documentário. Não era aquela coisa de ligar para o agente, ver se poderia rolar ou não.”

Ela conta um episódio engraçado no show em Nova York, que transcorreu enquanto ela gravava entrevistas do lado de fora do teatro e mantinha uma câmera no camarim com Milton. “Aí eu ouço no rádio: ‘quem é esse cara que está ajoelhado no camarim beijando a mão do Milton?’. Não dá para reconhecer? ‘O cara está de boné, óculos escuros e cachecol. Ninguém sabe quem é!’ E era simplesmente Steve Jordan”, diz, um dos maiores bateristas da história.

“Era uma surpresa atrás da outra. Eu entrevistando o Paul Simon e no rádio avisam que o Spike Lee está louco para falar. Aí você tem de pedir para o Spike Lee esperar uns dez minutos, né? Todos tomaram o convite como um privilégio.”

” A emoção está ali, desde o Milton passando mal antes do show em Londres, com tonturas. O público já aplaudindo, e o cara na coxia, se recuperando para entrar. E também nos momentos relaxados, ele se divertindo com a banda”, diz a diretora.

Nos últimos meses, enquanto Moares finalizava o filme, Victor Pozas dava forma a um álbum que também integra também o projeto. “ReNascimento”, já carinhosamente batizado de “filho musical” do documentário, reúne em 12 faixas nomes das recentes gerações da música brasileira. Nessa turma, Sandy surge como uma veterana. Coube a ela cantar “Travessia”. O resultado é uma versão afinadíssima, que preserva bastante a gravação original.

Essa performance representa bem o que parece ter guiado Victor Pozas e seus convidados. “Cada um deu uma leitura no seu universo, mas sem perder a essência da música do Milton”, avalia o produtor.

O álbum será lançado pela Universal, em abril, ainda sem data definida. Pozas tratou de estabelecer um link com o disco dentro do documentário. “Entrou no filme o registro visual da gravação de ‘Anima’, feita por Tim Bernardes, Zé Ibarra e Dora Morelenbaum, com Milton participando.” Sem dúvida, até pela presença do homenageado, é o momento mais destacado do pacote.

Canções clássicas que já fizeram carreira com Milton e outras vozes consagradas da MPB receberam intérpretes ainda incipientes na cena, mas os desempenhos agradam, como o duo OutroEu, com “Clube da Esquina nº 2”, e Os Garotin, recriando “Bola de Meia Bola de Gude”.

A cantora portuguesa Maro impressiona na versão para “Cais”, assim como Liniker em “Encontros e Despedidas”. Completam o time Johnny Hooker e Kell Smith (“Paula e Bebeto”), Clarissa (“A Festa”), Agnes Nunes (“A Lua Girou”), Lucas Mamede (“Ponta de Areia”/”Tudo o que Você podia Ser”), ANALU (“Canção do Sal”) e Tuca Oliveira (“Canção da América”).

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