A prisão do estudante indiano Badar Khan Suri, acusado sem provas de ser uma ameaça à política externa dos Estados Unidos, exacerbou as tensões no meio acadêmico americano. A detenção, anunciada na quarta-feira (19), preocupa alunos e professores da Universidade Georgetown, de Washington, um dos mais consagrados eixos de estudos árabes e islâmicos no país.
O governo de Donald Trump já havia prendido, no início do mês, o ex-estudante da Universidade Columbia Mahmoud Khalil por sua participação em protestos pró-Palestina. As autoridades americanas tentam deportar esses dois alunos estrangeiros, algo que críticos veem como violação da liberdade de expressão, garantida pela Constituição. Em um revés para Trump, a Justiça determinou já nesta quinta-feira (20) que Suri não seja deportado até que o caso avance nas cortes.
Tricia McLaughlin, secretária-assistente do Departamento de Segurança Interna, afirmou em nota que Suri estava “ativamente espalhando propaganda do Hamas e promovendo antissemitismo nas redes sociais” e que está ligado a “um suspeito de terrorismo” dentro da facção palestina.
Segundo seus advogados, Suri, que tem visto de estudante, foi detido nos arredores de sua casa em Rosslyn, na Virgínia. A acusação está relacionada à sua esposa, Mapheze Saleh, cujo pai, segundo o jornal americano The New York Times, fazia parte da liderança do Hamas em Gaza.
Saleh, também estudante de Georgetown, não foi detida. Ela é uma cidadã americana. O governo tem focado estrangeiros, ainda que estejam no país legalmente, como Suri.
Em um comunicado enviado a alunos e professores na quarta-feira, quando a detenção foi anunciada, Joel Hellman, diretor da Escola de Serviço Exterior de Georgetown, afirmou não ter conhecimento de que Suri estivesse envolvido em qualquer atividade ilegal ou que representasse um risco à segurança no campus. “Ele estava concentrado em terminar a sua pesquisa”, afirmou.
Nesta quinta, após o anúncio da detenção, repórteres já estavam posicionados do lado de fora do campus para repercutir os fatos. A liberdade de expressão na academia é um dos temas centrais do debate público americano nestes meses. Alunos, professores e outros intelectuais tentam entender, agora, o limite do que podem ou não dizer.
Em protesto contra a detenção de Khalil, membros da comunidade acadêmica de Georgetown realizaram no início do mês um ato exigindo que a universidade impeça o monitoramento de suas atividades pelas forças de segurança e inteligência americanas. Em um clima de incerteza, alguns manifestantes usavam máscaras para cobrir o rosto.
Circulam também em grupos de WhatsApp, incluindo entre brasileiros, instruções para os alunos apagarem suas redes sociais e protegerem seus telefones em uma eventual situação em que forem interrogados. Há, ainda, instruções claras das instituições de ensino para que alunos estrangeiros evitem deixar o país, para não arriscar que as autoridades impeçam seu retorno.
A detenção de Suri já era conhecida no campus, mas a universidade aguardava a oficialização do caso para se pronunciar. O tema é delicado, como mostra o exemplo de Columbia. Acusando a gestão da universidade nova-iorquina de não fazer o suficiente para impedir protestos contrários a Israel, o governo cortou US$ 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) de seu financiamento público.
Por outro lado, os alunos consideram que a universidade não tem feito o bastante para defender seus alunos e garantir a liberdade de expressão. Segundo a imprensa americana, Columbia estuda agora ceder a Trump —proibindo, por exemplo, protestos com máscaras.
Suri é um aluno de pós-doutorado no Centro Alwaleed Bin Talal para o Entendimento Muçulmano-Cristão. Como parte de seu trabalho, dá neste semestre um curso sobre o direito de minorias no sul da Ásia. Ele é especializado em estudos de paz e conflito por uma instituição indiana. Sua pesquisa não envolve de uma maneira direta a situação em Gaza.
Fundada em 1789, a Universidade Georgetown é uma das mais respeitadas dos EUA e considerada uma das portas de entrada para o serviço diplomático americano. Estiveram nos seus quadros figuras como Madeleine Albright (1937-2022) e Hillary Clinton, que chefiaram a diplomacia dos democratas Bill Clinton e Barack Obama.
A instituição também sedia o tradicional Centro de Estudos Árabes Contemporâneos, considerado pioneiro na área. O Centro Alwaleed Bin Talal, onde Suri faz o pós-doutorado, foi fundado em 1993 por John Esposito, um dos pesquisadores mais respeitados de estudos islâmicos no mundo. Diversos alunos e professores vêm do Oriente Médio.