22 mar 2025, sáb

Mulher que empreende tem novo fardo com funcionários – 21/03/2025 – Mercado

Ser mulher no Brasil já é um desafio. Ser empreendedora, então, é quase um ato de resistência. Neste país, onde 32 milhões de mulheres decidiram abrir o próprio negócio, 49% delas são chefes de família. Ou seja, sustentam seus relacionamentos sozinhas, equilibrando prazos, contas, filhos e uma avalanche de demandas que nunca param. E, agora, além de tudo isso, o governo decidiu jogar mais um peso nas costas dessas mulheres: a responsabilidade integral pela saúde mental dos funcionários.

A nova atualização da NR1 obriga empresas de qualquer porte a identificar riscos e promover ações para a saúde mental de seus colaboradores. E se não cumprirem? Multas, processos, interdições. Mas a pergunta que ninguém faz é: quem cuida da saúde mental da mulher que empreende? Daquela que já sofre com a sobrecarga, com a instabilidade econômica, com a solidão de quem precisa tomar todas as decisões sozinha?

O Brasil vive uma epidemia silenciosa. Ansiedade e depressão são as novas pandemias globais e o país ocupa o quarto lugar no ranking mundial de depressão. Entre as 472 mil pessoas afastadas do trabalho por transtornos psicológicos, 301 mil são mulheres. Mas será que o ambiente de trabalho é o único prejudicial? E quando a depressão não vem do excesso de demandas no escritório, mas do abuso emocional dentro de casa? Quando uma crise de ansiedade não é causada pelo chefe, mas pelo medo de não conseguir pagar as contas no fim do mês?

O governo decidiu atacar o problema da saúde mental pelo lado mais fácil: transferir a conta para os empresários. Mas e as políticas públicas? O que está sendo feito para garantir atendimento psicológico acessível? O que o Estado faz para apoiar uma mulher empreendedora, que já trabalha o dobro, ganha menos, e agora precisa assumir mais essa responsabilidade?

Empresas precisam sim criar um ambiente saudável e isso não está em discussão. Tanto que fundei a única universidade do Brasil 100% voltada para a saúde mental, justamente para que as empresas apoiem a implementação de políticas práticas e para garantir que o bem-estar dos funcionários seja promovido de forma estruturada e realista. A questão aqui não é se as empresas devem investir nisso –elas devem. Mas quando foi que os empresários passaram a ser os únicos responsáveis pela sanidade emocional dos funcionários?

A maioria das empreendedoras no Brasil não é CEO de grandes corporações. São mulheres que vendem bolo de pote para sustentar os filhos, que abrem pequenos negócios para escapar do desemprego, que lideram microempresas com duas ou três funcionárias. Como essas mulheres vão se adequar a uma norma que exige investimentos que elas simplesmente não podem bancar?

Mas a pergunta mais importante é: até quando o empresário será o único responsável? Não estaríamos terceirizando o problema para quem já está sobrecarregado? Saúde mental é uma questão de saúde pública, não apenas de medicina do trabalho. Mas, ao invés de ampliar o suporte às pessoas, criamos mais uma obrigação para quem já tem que lutar contra impostos abusivos, insegurança jurídica e crise econômica.

O impacto dessa nova regulamentação pode ser devastador para as mulheres empreendedoras. Se hoje 40% das empreendedoras pretendem abrir de uma a cinco vagas de emprego, como será quando perceberem que contratar significa assumir um risco trabalhista enorme? Como será quando você entender que cada novo funcionário pode representar um risco de responsabilidade jurídica em razão de questões que fogem do seu controle?

É fato que nos últimos anos, o discurso sobre saúde mental saiu da invisibilidade e isso é uma grande conquista. Mas transformar esse problema em uma questão exclusiva do empresário não resolve nada. Apenas amplia um abismo entre funcionários e empregados, entre quem dá empregos e quem precisa deles.

E o Estado? Continua incapaz de oferecer o mínimo de suporte psicológico à população. Filas no SUS para atendimento psiquiátrico ultrapassaram seis meses, Caps estão lotados e a uma rede pública sucateada. Mas a cobrança, claro, recai sobre o empresário.

Se há algo que precisa ser exigido, não é apenas do empresário. É do Estado. São opções públicas que oferecem apoio psicológico real, atendimento acessível e suporte para pessoas que também estão adoecendo. Não adianta criar uma lei sem dar suporte para quem precisa aplicá-la.

Porque, no fim, uma mulher que já é mãe, líder, administradora, operária, contadora e vendedora, agora terá que ser também terapeuta. Só que ninguém está perguntando como está a saúde mental dessa mulher. Quem cuida de quem cuida de todos?

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