Conheci Marina Colasanti, morta ontem (28), aos 87 anos, no Rio de Janeiro, no início da década de 1990, quando o marido, o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, ocupou a presidência da Fundação Biblioteca Nacional, em cuja gestão criou a revista “Poesia Sempre”, da qual participei como colaborador.
Aliás, no dia do anúncio da nomeação de Romano, eu estava na companhia do casal, na casa deles, em Ipanema. Em uma certa hora da tarde, o telefone toca e Marina anuncia que era de Brasília. Depois de uma espera de alguns minutos, volta Romano sorridente, para dizer: “Pronto, já sou presidente da Biblioteca Nacional”. E no lugar de sairmos logo, comemoramos.
Eu trabalhava com Romano no projeto de levar o acervo do poeta catarinense Cruz e Sousa (1861-1898) para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde ele era professor. A notícia da nomeação, aguardada por semanas, mudou nosso rumo e intenção. Os manuscritos do poeta simbolista tomaram o destino do prédio da Avenida Rio Branco, onde estão conservados até hoje, na Seção de Manuscritos.
O último evento que participei com Marina foi do Fliaraxá, festival literário organizado pelo gestor cultural Afonso Borges, em Minas Gerais, no ano de 2019. Lembro-me que, no voo de ida, tiramos uma bela foto, onde Marina estampa o seu clássico sorriso – marca registrada de sua personalidade.
Logo em seguida, neste mesmo ano, voltamos a nos encontrar na praça General Osório. Ela e Romano caminhavam pela praça, de braços dados, a caminho de um restaurante. Uma coisa é certa: eram eternos namorados. Foi a última vez que os vi presencialmente. Ela, sempre bastante envolvida em eventos literários e no ofício de escrever, pelo qual foi merecidamente premiada, pouco tinha tempo para encontros e conversas, que muito gostava; ele, Romano, por estar debilitado pela doença, passou a manter-se longe dos holofotes e da escrita, sobretudo da poesia, marca de sua trajetória de vida.
Quem conheceu Marina, melhor do que eu a conheci, sabe o quanto sua personalidade de mulher e intelectual, impôs outro olhar sobre a questão de gênero na literatura brasileira, tanto no campo da ficção, quanto do jornalismo.
Marina Colasanti é de origem africana, nascida na Eritreia, país localizado no Chifre da África, com fronteira entre o Sudão e a Etiópia. Quando nos conhecemos, ela me dizia que tínhamos, de algum modo, uma origem comum, descontado tempo e circunstância diferentes, ao se referir de um lado à escravidão, e de outro, a Segunda Guerra Mundial, conflito determinante da vinda de família para o Brasil.
Agora ela se foi, mas nos deixa o seu talento e a saudade, já tão sentida. Seus livros, para mais de 70 títulos, iluminaram minha geração. Ainda guardo, na parte nobre da estante, o exemplar de 1985 de “Mulher Daqui Pra Frente”, com seu autógrafo carinhoso, em letras miúdas e cursivas.
A morte, essa loba inclemente, veio lhe cobrar a vida em grande preço. Mas Marina sabia o valor da vida. Só ficava triste diante das partidas.
“Envelhecer não é das coisas muito fáceis, é bonito, emocionante, faz parte da vida, mas têm sido muitas despedidas.”
Adeus, querida, descanse.