17 mar 2025, seg

Brasil está à mercê das redes sociais americanas – 30/01/2025 – Djamila Ribeiro

Acompanhamos durante a última semana a deportação de imigrantes pelo governo dos Estados Unidos para o Brasil, Colômbia e México e toda a questão que se seguiu. O Itamaraty errou ao aceitar o transporte e o pouso aéreo de cidadãos algemados nas mãos e nos pés? E o presidente da Colômbia fez certo ao escrever a carta indignada? São perguntas inócuas, na minha visão.

Isso porque as consequências que se sucederam em cada caso justificam opiniões variadas que, contudo, não enfrentam a contento uma questão central na relação entre os países: a dependência econômica e tecnológica dos países latino-americanos ao sistema político dos Estados Unidos.

Com o advento das redes de socialização digitais, a disparidade tecnológica agrava, sem marcha ré, a ponto de um país continental, como é o Brasil, depender toda, ou quase toda, comunicação em redes, incluindo páginas oficiais, de plataformas americanas que, como se vê, obedecem ao humor democrata ou republicano na Casa Branca.

Além disso, mesmo com o Brasil fiel a esse sistema, os conflitos ainda assim emergem, pois o país é um dos maiores mercados de usuários do mundo. O Brasil, inclusive, é líder global de influenciadores digitais no Instagram, segundo recente pesquisa Nielsen.

Nesse contexto, seria impensável uma atividade política e econômica deste tamanho não ser regulada. Mas, se essa conclusão já sofre resistência por si, os projetos de lei que tentam avançar na área esbarram na polarização.

Existe uma saída? Venho pensando sobre isso com vocês nessa coluna e, no texto de semana passada, escrevi que uma possível solução seria a criação de um polo big tech brasileiro. Foi uma provocação.

Eu lá sabia que, na semana seguinte, a China lançaria seu aplicativo de inteligência artificial e causaria um prejuízo enorme a essas empresas americanas? Não fazia ideia. Todavia, ver na prática algo que me parece evidente a se fazer em termos de política pública, me trouxe mais noção da importância da matéria.

Levando a provocação adiante, no texto anterior fiz referência a uma empresa pública nacional de redes sociais. Isso pode despertar incômodos em quem se pensa patriota. Porém, é preciso dizer que ser patriota é muito diferente de amar o seu país.

A título de exemplo, jurar a bandeira —seja do Brasil, dos Estados Unidos, ou de ambos—, ou mesmo chegar ao ponto de chorar de emoção na presença de uma autoridade americana, é fácil. Agora, levantar uma empresa nacional de tecnologia em redes sociais é algo que exige comprar incômodos “anti-Brasil” e “pró-trumpistas”.

Aí complica para o patriota. Pois se faz sentido para boa parte dos americanos o lema “fazer a nação grande de novo”, um Ariano Suassuna talvez responderia “fazer esse país soberano, finalmente”. Dois lemas conflitantes.

Some-se a isso o mito da democracia racial inscrito na identidade brasileira. Aqui, se alardeia que qualquer coisa pode ser resolvida numa roda de samba no Leblon, duas caixas de uísque em Brasília, um hotel em São Paulo, muita camaradagem e mulheres servindo. O Biden é nosso “brother”, o Trump é o nosso “mito”. Ambos querem, ao mesmo tempo, nosso bem. Eu entendo que essa imagem colonial possa ser comovente para muitos, entretanto não há ilusão que resista à evidência dos fatos.

Voltando ao fio da meada, iniciativas brasileiras tampouco parecem uma força suficiente para a arena global. É melhor que nada, por certo. E os anúncios do atual governo federal em criar uma inteligência artificial própria são muito bem-vindos.

Mas essas empresas americanas vão além do monopólio de inteligência artificial e gozam do monopólio das plataformas de redes sociais. Além disso, contam com décadas de antecedência, capital colossal e ajuda governamental. Tamanha é a letargia histórica dos políticos brasileiros em tomar uma atitude nesse sentido, que talvez seja tarde demais.

O jeito é não desistir e construir esperançando, como disse Paulo Freire. Acompanhar a “tríplice deportação” me relembrou a identidade entre os países que foram obrigados a receber os aviões e ainda mais desrespeitados enquanto recebiam. Quem sabe o episódio encoraje uma aliança transnacional, “amefricana”, na esteira do que foi pensado por Lélia Gonzalez, para construção de polos big techs que não sejam em dólar? Brasil, México, Colômbia e quem mais se dispuser.

Para finalizar, uma reflexão. Quando indagado sobre qual seria o futuro da América Latina, Eduardo Galeano afirmou: “Eu não sei, mas sei o seu desafio. O desafio é: vamos nos converter na triste caricatura do Norte? Ou vamos oferecer ao mundo um mundo diferente?”.


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