A carnificina proporcionada por torcedores do Sport e do Santa Cruz no último sábado (1), no Recife, não é novidade nem exclusividade pernambucana.
Acontece com maior ou menor intensidade pelo país afora e mundo adentro.
Do muito que já li sobre violência de torcida, o que mais me impressionou foi o livro do jornalista estadunidense Bill Buford, “Entre os vândalos”, da Companhia das Letras.
Ao procurar pelo livro no Google, a rara leitora e o raro leitor encontrarão a seguinte apresentação: “Há uma epopeia previsível que se deflagra todas as semanas em meio à aparente tranquilidade das cidades europeias —inglesas em particular. É uma aventura de sangue e estilhaços de vidro. De pânico, ultraje, brutalidade. De estupidez e covardia. O protagonista dessa epopeia é ninguém e todos, ao mesmo tempo. Trata-se da multidão, entidade que se forma com aparente espontaneidade e se lança contra indivíduos e cidades com fúria arrasadora. É preciso ser parte física da multidão para sentir a sua selvagem embriaguez. Para isso, nada melhor que se tornar um holligan honorário, como fez o jornalista Bill Buford durante quatro anos. O ritual da violência de massa começa horas antes de se entrar no estádio de futebol. E pode terminar a qualquer hora do dia ou da noite num hospital ou mesmo num cemitério”.
Encontrarão também este texto, por mim escrito em 2014.
“O repórter se propõe a fazer uma reportagem sobre o hooliganismo em 1993, e, como revela, ao se misturar com os violentos, se deixa contaminar pelo que chama de ‘adrenalina do combate’ —o que o impede de se desligar deles e o leva a transformar o que seria apenas uma reportagem em livro de mais de 200 páginas.
Buford fica viciado pela expectativa dos embates e faz um impressionante relato que joga por terra qualquer interpretação simplória sobre o fenômeno.
Quando olhamos para o que acontece no Brasil, igual ao que ocorre no Congo, na Argentina, na Rússia, na Suécia, com morte de torcedor, na Itália, mas, não por acaso, menos na Inglaterra que despertou a curiosidade de Buford e onde se fez um trabalho sério para controlar a selvageria, temos a medida da extensão do problema.
Está claro que não se trata apenas de processos civilizatórios, porque até na Suécia a barbárie, às vezes, se instala.
Fato é que o futebol virou palco que desperta a besta fera que cada um traz dentro de si.
Razão pela qual é preciso parar para repensar o esporte que imita a vida, e vice-versa, terreno fértil para dar razão ao filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que em sua clássica obra, “Leviatã”, mostrou a necessidade do contrato social para regular o homem, este “homem que é o lobo do homem”.
Numa frase, impõe-se a necessidade da intervenção do Estado para controlar o estado natural da humanidade, o estado de guerra. Uma tarefa digna do “13º trabalho de Hércules”.
O horror protagonizado pelos jovens pernambucanos dá a medida de como a violência acabou normalizada por todos, a ponto de o “Clássico das Multidões” ter sido disputado poucas horas depois da barbárie nas ruas.
Notas de repúdio dos governantes se repetem há décadas e nada mudarão.
Apenas a ação destemida conterá o descalabro, o que nenhum governo fez ou faz.