Atritos entre os Poderes são naturais, e em certa medida desejáveis, na configuração mais comum entre as repúblicas democráticas modernas, nas quais Executivo, Legislativo e Judiciário compõem um sistema de freios e contrapesos mútuos.
Têm-se um problema, porém, quando o simples atrito escala para conflito, tornando-se fator de instabilidade capaz de contaminar a agenda política e prejudicar o equilíbrio institucional.
Dado que o Brasil flertou, nos últimos anos, com esse cenário de desarranjo estatal, foram bem-vindas as mensagens com que os chefes do Legislativo e do Judiciário marcaram a retomada dos trabalhos no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, em sessões nessa segunda-feira (3).
Cada um a seu modo, o senador Davi Alcolumbre (União-AP), o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o ministro Luís Roberto Barroso pregaram a harmonia entre os Poderes —em uma atitude necessária para aquietar os ânimos, embora não suficiente para resolver a questão de fundo que tem estressado a relação do Legislativo com o Judiciário.
O STF, com suas ações heterodoxas, seus inquéritos eternos e sua propensão a pisar no terreno alheio, incomoda o Congresso quando politiza os mais variados temas e, sobretudo, quando usa suas decisões para regular assuntos que deveriam ficar sob o cuidado dos deputados e senadores.
Tais problemas não constituem, todavia, o único aspecto dessa queda de braço. Outro pomo da discórdia tem nome e sobrenome: emendas parlamentares.
Nesse caso, são os senadores e os deputados que acumulam força extraordinária, muito além do que seus mandatos permitiriam. Eles passaram a gerir dezenas de bilhões de reais com essa manobra, colhendo os frutos eleitorais dessa gastança, mas se livrando da responsabilização legal e política que deveria acompanhá-la.
Foi para interromper essa hipertrofia desmedida que o STF determinou, com razão, a adoção de princípios constitucionais elementares, como a transparência e a eficácia dos gastos públicos.
Daí por que Alcolumbre acertou apenas em parte ao dizer, em discurso na segunda-feira, que o Supremo não pode cercear o Parlamento “em sua função primordial de legislar e representar os interesses do povo brasileiro”.
Como regra geral, o senador aponta na direção correta; erra, contudo, ao afirmar que possa ter havido cerceamento quanto às emendas —o STF nada mais fez que cumprir seu papel.
Que atores políticos procurem ganhar espaço por meio de negociações, blefes e balões de ensaio, isso é do jogo. A busca pelos resultados desejados, entretanto, não pode se dar por meio do sacrifício das instituições e à revelia dos interesses nacionais.
E o que interessa ao país é que o Judiciário se lembre da autocontenção ao exercer suas funções e que o Congresso deixe de tratar o dinheiro público como se fosse uma mesada da qual pode dispor sem dar satisfação a ninguém.