Desde o dia 20 de janeiro, com a posse de Donald Trump, o fluxo de migrantes na fronteira dos Estados Unidos com o México diminuiu, mas impôs novos desafios na região, sobretudo do lado mexicano. Autoridades do país relatam um aumento no número de pedido de refúgios, uma vez que os pedidos de asilo foram encerrados, tornando mais difícil a concessão de proteção internacional nos EUA.
O número de apreensões de pessoas que fazem a travessia ilegalmente já vinha em queda desde o final do governo Joe Biden. Isso se deve, em partes, à quantidade limite de chegadas de imigrantes que o democrata impôs como condição para manter a fronteira aberta. Mas também à criação do CBP One, o aplicativo utilizado pelo Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA para facilitar o processo de solicitação de asilo, permitindo que os migrantes agendem uma entrevista com oficiais de imigração de forma remota —recurso encerrado por decisão de Trump.
Após o retorno do republicano à Casa Branca, foi observada nova queda nas travessias ilegais. Além da estatística, diversos relatos colhidos pela Folha, que esteve em cidades dos dois lados da fronteira, são de boa parte dos mais de 50 abrigos na área mexicana que esvaziou por duas razões: parte do migrantes pegou o rumo da volta, e menos gente está indo ao norte por saber que “Trump não deixa ninguém passar”.
Do lado americano, foram fechados os abrigos que recebiam pessoas que cruzavam a fronteira sem estrutura adequada ou outros encaminhados pelo próprio serviço de imigração.
Blake Barrow, que dirige o abrigo Rescue Mission, em El Paso, relata que a ICE (polícia de imigração) encaminhava até 500 imigrantes a essas casas por dia. Hoje, quando raramente manda alguém, esse número não passa de 50. “Os poucos que estavam aqui eu sugeri procurarem um estado democrata para evitarem serem deportados”, conta Barrow.
Dirvin Luis García Gutiérrez, chefe de atendimento a migrantes do Conselho Estadual de População no estado de Chihuahua, estado onde fica Ciudad Juárez, afirma que é cedo para dizer se essa tendência vai se manter no longo prazo. No curto, porém, ele diz serem evidentes os impactos imediatos, sobretudo para a população que solicita proteção internacional, como o caso dos que buscam asilo.
A outra situação é a das pessoas que ficaram na fronteira e estão no limbo e que buscam alternativas para ficar no México. “Detectamos que há um aumento considerável de solicitações da condição de refugiado no México, com essa população que ficou. São pessoas que estiveram esperando um ano, um ano e meio ou alguns meses apela consulta [do CBP One] para pedir asilo nos EUA”, diz Gutiérrez.
Ainda não há dados de 2025 atestando esse aumento, mas outros integrantes de organizações que atuam com migrantes perceberam a mesma tendência. “[Os imigrantes] estão entrando com mandados de segurança ou algumas estratégias legais por meio do Instituto de Defensoria Pública, que é uma instituição federal, para que lhes permitam poder acessar esses mecanismos de proteção no México”, explica Gutiérrez.
O Instituto de Defensoria Pública e a Comissão Mexicana de Ajuda a Refugiados, junto com atores humanitários, tentam facilitar o trâmite para que os imigrantes tenham acesso a documentos, por exemplo. “O outro desafio é o tema de inclusão produtiva, ou seja, uma vez que tenham a chave única de registro de população, que possam trabalhar”, avalia.
Medo de deportação e preconceito contra venezuelanos
Em Ciudad Juárez, o cenário é diferente de outras cidades na fronteira, como Matamoros e Reynosa. Com cerca de 1,6 milhão de habitantes, o município é maior. E embora tenha presença de organizações criminosas, os imigrantes lá se sentem menos amedrontados e vários fazem trabalhos informais.
Entre eles, estão a venda de doces em barraquinhas na rua no centro da cidade, por exemplo. Por isso, entre um grupo de dez imigrantes com o qual a Folha conversou em um abrigo da cidade, buscar se estabelecer no México é uma opção caso não haja porta de entrada nos EUA até o meio do ano.
“Há muito trabalho. Mas o que acontece também é o problema que aqui nós somos imigrantes, como lá [nos EUA]”, diz a venezuelana Martchela, 26, que preferiu dar apenas o primeiro nome.
O problema específico que ela e outros enfrentam é que em Ciudad Juárez há uma onda de preconceito contra pessoas oriundas da Venezuela. “Por aí andam carros tirando os venezuelanos dos trabalhos. Quando eu saí me disseram que estivesse atento porque estão pegando os venezuelanos”, relatou Edgar, 21.
Eles dizem temer entrar irregularmente nos EUA pelo receio de serem deportados direto para a Venezuela, caso pegos —o governo Trump revogou em janeiro a proteção de 600 mil venezuelanos nos EUA, com a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, referindo-se aos imigrantes como “sacos de lixo”.