Donald Trump começou a semana desmentido pelo presidente da França, Emmanuel Macron, e pelo premiê do Reino Unido, Keir Starmer, sobre a natureza da ajuda europeia à Ucrânia, ameaçou (mais uma vez) impor tarifas contra Bruxelas e encerrou o expediente nesta sexta-feira em uma impressionante briga em frente às câmeras com Volodimir Zelenski. Escandalosos dias que chocariam a imprensa em outros tempos, mas que se tornaram o novo normal em Washington.
A rusga com o presidente ucraniano terminou sem a assinatura de um acordo pelas terras-raras do país ocupado mas também, notavelmente, com uma onda de tuítes vindos de todas as capitais do velho continente apoiando Kiev. Demorou pouco, e a União Europeia finalmente entendeu que está espremida entre duas nações hostis, Estados Unidos e Rússia —para o deleite dos chineses.
A aproximação UE-China está deixando de ser uma hipótese distante para se tornar uma realidade pragmática. Com a relação transatlântica em frangalhos, Bruxelas encontra-se num dilema: insistir na parceria com um aliado cada vez mais volátil ou buscar equilíbrio em Pequim.
Sob Trump, a Europa enfrenta tarifas sobre seus produtos e pressão crescente para aumentar gastos militares. A crise do multilateralismo e o afastamento americano em temas como regulação tecnológica e mudanças climáticas deixam o bloco sem um parceiro confiável. Pequim, por sua vez, aproveita a brecha.
Essa aproximação não é desprovida de vantagens para os europeus. A China é um mercado essencial para diversos setores do bloco, especialmente para a indústria automobilística. Em meio às tensões comerciais com Washington, um reposicionamento estratégico pode servir como carta de barganha.
No campo diplomático, Pequim também se mostra mais aberta que os EUA a incluir a UE nas discussões sobre a paz na Ucrânia. Diante das negociações entre Washington e Moscou, tem sido a China a insistir para que todas as partes envolvidas se sentem à mesa.
Mas os europeus não são ingênuos. A dependência energética em relação à Rússia ameaçou deixar todo o continente congelando no inverno de 2022, e hoje é ponto pacífico que confiar em Moscou deixou os europeus expostos e fragilizados. Estimular dependência similar de insumos e tecnologias chineses pode muito bem despertar temores de natureza semelhante.
Afinal, o histórico de Pequim em relação a práticas comerciais desleais e espionagem cibernética não é animador. Além disso, a relação próxima entre China e Rússia segue como um obstáculo incontornável para um alinhamento pleno. Por mais que Pequim tente se vender como parceiro confiável, a memória europeia sobre sua posição na guerra na Ucrânia ainda pesa.
Vai se desenhando agora um equilíbrio frágil. A Europa precisa se munir de pragmatismo, utilizando a aproximação com Pequim como instrumento de pressão sobre Washington sem cair na armadilha de substituir uma dependência por outra.
Ganha a China, que se fortalece diante da fragilidade ocidental; ganha a UE, que amplia suas margens de manobra. Perde, contudo, a coerência da política externa europeia, que se vê cada vez mais refém de um jogo de forças alheio aos seus interesses de longo prazo. A Europa, mais do que nunca, precisa pisar com cautela.