O rover chinês Zhurong, enviado a Marte, encontrou evidências de que o hemisfério norte do planeta já teve um oceano que pode ter coberto até um terço da superfície do planeta, onde hoje estão algumas de suas mais notáveis planícies. E o que talvez seja o mais surpreendente: ficamos sabendo disso graças a um artigo científico publicado num periódico americano e assinado em colaboração por chineses e americanos.
Trata-se de um resultado notável, corroborando uma antiga suspeita dos cientistas, de que o planeta vermelho, em seu passado remoto, há uns 4 bilhões de anos, teve oceanos, como a Terra. O Zhurong foi enviado a Marte como parte da missão Tianwen-1, que, em 14 de maio de 2021, tornou-se a primeira não americana a ter sucesso na superfície marciana.
Ele desceu em Utopia Planitia, região também explorada décadas antes pela sonda americana Viking 2, que por lá desceu em 3 de setembro de 1976. O que essa antiga missão não tinha, e o Zhurong tem, é um radar penetrante, capaz de analisar a estrutura do subsolo da região a até uns 100 metros de profundidade, se apontado direto para baixo. Direcionado para os arredores do rover a um ângulo de 6 a 20 graus, ele conseguiu mapear uma grande região com profundidade de 10 a 35 metros.
O que os dados revelaram foi o que parece ser uma antiga costa oceânica, indicada pela deposição de sedimentos que teria ocorrido bilhões de anos atrás. A análise das formações, que tem como primeiro autor Jianhui Li, da Universidade de Guangzhou, na China, levou ao descarte de fenômenos fluviais (de rios), eólicos (de ventos) ou magmáticos (de vulcanismo) para explicá-las. Portanto, deve ter sido mesmo um oceano.
Essa visão é consistente com o atual relevo do planeta vermelho e com evidências muito claras, vindas tanto de missões orbitais quanto de análises mineralógicas do solo, de que Marte teve quantidade abundante de água em sua superfície por períodos relativamente longos. Os dados do Zhurong são mais uma peça do quebra-cabeça, que forma uma imagem cada vez mais clara do passado marciano.
Os cientistas ainda não entendem como Marte pode ter mantido essa água toda naquele tempo (não há evidências de que a atmosfera fosse muito mais densa e o efeito estufa fosse maior no passado, o que seria o mecanismo mais óbvio para explicar). Mas a busca por respostas continua –e é encorajador ver, sobretudo nesses tempos complicados, uma colaboração internacional de alto nível entre chineses e americanos.
O artigo com os resultados foi publicado na última edição da PNAS, revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, e contou, entre seus 11 autores, com a participação de dois pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia (Derek Elsworth e Benjamin Cardenas) e um da Universidade da Califórnia em Berkeley (Michael Manga, o responsável por submeter o artigo, como membro da academia americana).
Embora a Nasa seja proibida por lei instituída há anos pelo Congresso americano de cooperar em projetos espaciais com a China, ao menos cientistas trabalhando com os dados dessas missões não se sensibilizam com essas barreiras e tratam a busca do conhecimento como o que deve ser –um empreendimento comum de toda a humanidade.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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