A ansiedade se tornou a marca registrada do Brasil contemporâneo. Em meio às constantes turbulências políticas, econômicas e sociais, os brasileiros despontam como a população mais ansiosa do planeta, informa a Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com a pesquisa Covitel de 2024, 26,8% da população sofre algum transtorno de ansiedade, o equivalente a 56 milhões de pessoas. O Sistema Único de Saúde (SUS) registrou um aumento de 14,3% nos atendimentos relacionados ao problema em relação ao ano anterior. Mas por que o Brasil se tornou o epicentro dessa epidemia psicológica?
A resposta está em um coquetel de fatores que incluem a hiperconectividade digital, a polarização política, as crises econômicas e a crescente desumanização da internet. O próprio Nassim Taleb, autor de “O Cisne Negro”, alertou recentemente para a volatilidade extrema dos mercados financeiros impulsionados pela inteligência artificial, o que gera uma sensação de imprevisibilidade global. A ascensão de startups como a DeepSeek, que em 36 horas abalou gigantes da tecnologia, mostra que as transformações estão ocorrendo em uma velocidade sem precedentes. E essa velocidade tem consequências psicológicas profundas.
Inspirado na famosa Lei de Moore, que previa a duplicidade da capacidade dos chips a cada dois anos, podemos formular a “Lei de Moore da Ansiedade”: a cada nova onda de transformação digital e social, a percepção de incerteza dobra, intensificando os níveis de ansiedade na população. Essa equação explica por que, na medida em que o mundo acelera, nossas mentes ficam cada vez mais sobrecarregadas.
A internet, que outrora prometia conexão e conhecimento, está sendo tomada pela chamada “internet morta”. Estudos mostram que quase 50% do tráfego digital é gerado por bots, enquanto redes sociais priorizam conteúdo manipulador e polarizado. Como se não bastasse, o tempo de tela dos brasileiros atinge cinco horas diárias em média, uma das maiores do mundo. A exposição constante a notícias catastróficas, discussões inflamatórias e estímulos por algoritmos que favorecem o medo são combustíveis perfeitos para uma sociedade cronicamente ansiosa.
Essa hiperconectividade também tem impacto profundo nos jovens. Segundo Jonathan Haidt, autor de “A Geração Ansiosa”, o advento das redes sociais transformou a puberdade em um campo de batalha emocional. O aumento exponencial de transtornos ansiosos entre adolescentes coincide com a popularização dos smartphones. A necessidade incessante de aprovação digital, as comparações irreais e a redução de interações presenciais aprofundam a fragilidade emocional.
E como então saímos desse ciclo? A resposta passa por educação digital, regulação das redes sociais e uma cultura de bem-estar mais centrada no ser humano do que no algoritmo. Precisamos urgentemente de espaços “livres de inteligência artificial” para interações autênticas, bem como redes descentralizadas que devolvam o controle aos usuários. A transição para a web 3.0 pode ser um caminho para recuperar a autenticidade da comunicação digital.
A “Lei de Moore da Ansiedade” nos alerta para a relação direta entre a aceleração das transformações e o aumento do sofrimento mental. Se quisermos reverter esse quadro, é necessário equilibrar progresso e sanidade, tecnologia e humanidade. A ansiedade não pode ser o preço da inovação.
A busca pelo equilíbrio entre produtividade e bem-estar é um desafio central da era digital. A urgência por resultados e a conectividade ininterrupta nos afastam de um estado de serenidade, essencial para uma vida plena. Como nos ensinou o filósofo estoico Epíteto: A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio —algumas coisas estão sob nosso controle e outras não. Devemos reconhecer que o ritmo frenético das mudanças tecnológicas não pode ser controlado, mas nossa resposta a ele sim.
Priorizar momentos de desconexão, práticas de autocuidado e interações humanas genuínas são passos fundamentais para evitar que a ansiedade se torne um custo inevitável do progresso. Somente através desse equilíbrio poderemos avançar sem comprometer nossa saúde mental e emocional.
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