18 mar 2025, ter

Oferta de clínicas populares cresce 200% em 12 anos – 05/03/2025 – Equilíbrio e Saúde

No momento em que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) discute testar planos de saúde com baixa cobertura, o mercado de clínicas populares que já ofertam consultas e exames, sem internação, cresce em meio ao vácuo regulatório e pode vir a integrar esses eventuais novos produtos.

Essas clínicas têm atraído investimentos de grupos empresariais e se baseiam em uma estratégia de preços acessíveis para consultas, exames e procedimentos médicos. Em geral, são voltadas para a população que financia seu atendimento de saúde sem recorrer aos convênios.

Entre 2010 e 2022, o número de clínicas populares cresceu quatro vezes mais do que a média de outros estabelecimentos de saúde brasileiros —200% contra 50%, segundo dados de um relatório do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) que analisou as relações entre os setores público e privado de saúde.

Os principais usuários dessas clínicas são pessoas que utilizam o SUS. De acordo com a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), entre 2013 e 2019 a população brasileira sem plano de saúde que procurou serviços médicos privados aumentou de 10% para 14%.

Pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva revela que 72% dos brasileiros da classe C já pagaram ou conhecem alguém que pagou por consultas e exames particulares porque não conseguiram atendimento no SUS.

Para o economista Rudi Rocha, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e diretor de pesquisa do Ieps, é preocupante a falta de regulação do mercado das clínicas populares, em particular pela qualidade do serviço ofertado.

“Muitas vezes esses estabelecimentos oferecem, ao mesmo tempo, consultas e exames. Então, obviamente, existe espaço, em teoria, para conflito de interesses. E a gente não tem capacidade regulatória para coibir e monitorar esse tipo de coisa.”

De acordo com o relatório, nesse cenário podem existir incentivos financeiros desalinhados às necessidades dos pacientes, levando à solicitação de exames e tratamentos desnecessários.

Atualmente, a ANS regula apenas as seguradoras e operadoras de saúde, o que deixa um vácuo regulatório em relação aos prestadores que atendem pacientes que pagam diretamente por serviços médicos.

“Isso precisa ser corrigido para assegurar a proteção dos consumidores e a qualidade do atendimento”, reforça Rocha.

No último dia 18, a ANS abriu uma consulta pública, que segue até 4 de abril, para avaliar a criação de um tipo de plano de saúde que cubra apenas consultas eletivas e exames, sem direito a internação, atendimento de pronto-socorro e terapias —nesses casos, o usuário vai continuar dependente do SUS. O plano deve ser vendido por menos R$ 100.

A proposta, porém, tem sido vista com preocupação por entidades de defesa do consumidor, Ministério Público Federal e até por servidores da ANS. O temor é que esses planos com cobertura restrita possam precarizar ainda mais o mercado e deixar consumidores desamparados em momentos críticos.

Para Rudi Rocha, a ANS está ultrapassando as suas atribuições, porque a proposta entraria na área de política de saúde e de sistema de saúde. “A atribuição da agência é essencialmente regular e monitorar o setor de planos.”

Na sua opinião, as propostas são muito profundas e é difícil prever o que pode acontecer e quais serão as consequências para todo o setor da saúde.

A ideia é que o novo produto seja avaliado por dois anos em regime experimental. Ao mesmo tempo, conforme a Folha apurou com analistas do mercado suplementar, há um movimento de operadoras de saúde interessadas na compra de clínicas populares já prevendo a entrada desse novo plano.

De acordo com Rudi Rocha, por enquanto não há dados para monitorar esse movimento. “Operações de pequeno porte, que não passam pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], por exemplo, já estão avançando. Se essa reforma avançar, a gente seguramente vai observar um movimento muito forte e rápido de consolidação”, diz o economista.

A ANS afirma que o objetivo desse novo produto é ampliar e simplificar o acesso dos brasileiros aos planos de saúde, aumentando a oferta e a diversidade na saúde suplementar.

“A proposta é trazer soluções para esse mercado, a partir de estudos a serem desenvolvidos pela área técnica da reguladora e da ampla participação da sociedade e de todos os atores do setor.”

Clínicas populares têm modelos de negócios diversificado

O relatório do Ieps também fez uma análise detalhada de seis grupos empresariais que operam clínicas populares em São Paulo e revela que, embora compartilhem algumas características comuns, existem diferenças significativas em suas estruturas e seus modelos de negócios.

Alguns grupos se assemelham a hospitais-dia, oferecendo serviços de média complexidade, enquanto outros operam mais como consultórios tradicionais, com um número menor de médicos e menor oferta de serviços diagnósticos.

Parte dos estabelecimentos se localiza em áreas de maior fluxo populacional e renda, como regiões próximas a estações de transporte público em São Paulo. A outra parte está situada em regiões com menor renda per capita e mais distantes da área central da cidade.

De acordo com resultados preliminares da análise, a presença das clínicas populares está associada a uma redução da busca por consultas médicas em unidades do SUS com localização próxima, sugerindo uma possível substituição entre serviços públicos e privados.

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