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Ainda Estou Aqui: Brasil não anistia período mais brutal – 05/03/2025 – Ilustrada

Há pouco mais de uma semana, um colega espanhol —repórter de um programa de auditório de maior audiência— me perguntou com curiosidade cética se era verdade que “a força oculta” que prejudicava a candidatura de Karla Sofía Gascón ao Oscar de melhor atriz vinha do Brasil. Como se os tuítes ofensivos da artista espanhola e suas reações posteriores, por si só, não fossem suficientes para a autossabotagem de sua nomeação.

Além da polêmica —e do fato inegável de que o Brasil domina como nenhum outro país a arte das redes sociais e a ‘ciência memeal’—, há uma realidade incontestável: o trabalho de Fernanda Torres e do restante do elenco em ‘Ainda Estou Aqui’, filme do aclamado diretor Walter Salles, conquistou tanto a crítica nacional quanto a internacional.

O influente crítico espanhol Carlos Boyero, na estação de rádio LaSer, descreveu o filme como “uma obra angustiante e comovente” e falou assim sobre sua protagonista: “Há uma atriz excepcional que te impressiona sem recorrer ao histrionismo: transmite a dor através de olhares e gestos contidos”.

Essa visão deve ter coincidido com a dos membros da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, que concederam a Torres o Globo de Ouro de Melhor Atriz por sua interpretação de Eunice Paiva, um personagem que navega entre as cicatrizes da ditadura.

O reconhecimento não se limitou a Hollywood. O filme também triunfou no Prêmio Goya, onde foi premiado como Melhor Filme Ibero-Americano, e no Festival de Veneza, cujos jurados premiaram os roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega pela adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva —o relato autobiográfico que conta como sua mãe se viu obrigada ao ativismo político quando seu marido, o deputado Rubens Paiva, foi capturado pelo regime durante a ditadura militar do Brasil em 1971.

Carla Moseguí, crítica da publicação especializada Cinemanía, destaca como o filme entrelaça a memória pessoal com a denúncia histórica e afirma que, a partir de “um drama íntimo cotidiano”, “Ainda Estou Aqui” se estabelece como um dos melhores exemplos do cinema político brasileiro contemporâneo.

A projeção internacional do filme —impulsionada pela campanha rumo ao Oscar e fortalecida após a vitória— confirma o que a indústria local já sabia: o cinema brasileiro não só possui a técnica para competir nas grandes ligas, mas também relatos universais que ressoam além de suas fronteiras.

A pergunta agora é se esse marco se traduzirá em maior visibilidade para suas produções ou se será um chute na trave em sua luta para se consolidar no mercado global.

Mas além dos prêmios, o verdadeiro triunfo de “Ainda Estou Aqui” reside em levar às telas estrangeiras um dos períodos mais sombrios do Brasil, a ditadura militar, que foi de 1964 a 1985. Enquanto o espectador europeu conhece os horrores das ditaduras argentina e chilena através de inúmeros filmes como “La historia oficial”, “La Noche de los Lápices” ou “No”, o regime brasileiro —igualmente brutal— foi menos explorado na ficção internacionalmente.

O filme não só aspira corrigir essa lacuna, mas também servir como advertência em tempos onde os autoritarismos ressurgem sob novas máscaras. Que este longa abra portas para a indústria e, não menos importante, que seu eco lembre que as trevas da extrema direita não são relíquias do passado, mas ameaças latentes.

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