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‘Mickey 17’, com Robert Pattinson, traz humor e política – 05/03/2025 – Ilustrada

Um pouco de “O Hospedeiro” misturado com “Okja”, pitadas de “Expresso do Amanhã” e um tempero de “Parasita”. “Mickey 17”, primeiro filme do premiado diretor sul-coreano Bong Joon Ho após os quatro Oscar de 2020, vai adiante olhando no retrovisor.

Dos primeiros filmes, temos os monstros, embora aqui em uma outra chave. Do terceiro, um planeta todo gelado, versão sideral da Groenlândia, e a nave gigantesca está no lugar do trem. Finalmente, do quarto, seu longa mais conhecido e laureado, ele pega as implicações políticas e sociais, desta vez tratadas sem muitas nuances.

As repetições não são um problema. Diretores muito celebrados, de Howard Hawks a Hong Sang Soo, passando por Yasujiro Ozu e Éric Rohmer, trabalharam com muitas repetições em suas filmografias. O que importa é o que cada cineasta extrai dessas repetições. Bong Joon Ho está bem abaixo de todos os citados, mas tem estofo para alguma criatividade dentro do já visto.

O filme é baseado no livro “Mickey7”, de Edward Ashton. Estamos num futuro indefinido. Um trilionário explorador —de planetas, de gente, de tudo— cria um experimento para povoar um planeta distante e muito gelado. As pessoas morrem, mas são impressas novamente, com um tratamento que reestabelece seus fluidos corporais, suas memórias, sua alma.

Robert Pattinson é Mickey Barnes, rapaz perseguido por agiotas que resolve se alistar no programa de descartáveis do trilionário para escapar de uma morte definitiva na Terra. Quando o filme começa, vemos a décima sétima versão de Mickey, num momento em que ele está prestes a morrer novamente.

Em flashbacks bem-humorados, ele nos conta das outras vidas, e de como era sempre impresso e cuspido da máquina. São momentos cômicos, com seu corpo mole caindo do que parece ser uma máquina de tomografia, mas na verdade é a máquina de imprimir descartáveis.

Interessante que essa ideia remeta a uma certa inocência da ficção científica, uma visão de futuro que existia até mais ou menos os anos 1930, porque ela irá contrastar com outras implicações, mais contemporâneas —a normalização da bissexualidade, a iminente escassez de água e comida natural, o aquecimento global, o problema das drogas.

O drama começa quando Mickey 17, que todo mundo presumia devorado pelos monstros do planeta gelado, volta e descobre que já imprimiram o Mickey 18. Logo, um deles precisa morrer, pois múltiplos foram proibidos desde que um espertinho os usou para cometer crimes.

Imaginem um filme com duas versões de Robert Pattinson. Brincadeiras a parte, ele está bem, mais uma vez. Neste filme, ele pode explorar duas personalidades quase opostas. Mickey 17 é tímido, introvertido, meio covarde. Mickey 18 tem na coragem sua maior característica, além da cara de pau. Dois lados do Mickey original que a impressora resolveu separar.

Não precisamos nos incomodar com a bobagem da trama. Ela busca um claro efeito cômico. Assim como o multimilionário interpretado por Mark Ruffalo, uma mescla de Elon Musk com Donald Trump, e sua esposa, Toni Colette, buscam explicitar ainda mais a crítica que já era explícita em “Parasita”.

O filme tem suas limitações. Algumas cenas de humor não funcionam, ora por serem infantis demais, ora por cortes num tempo equivocado. A sátira política carece de ambiguidade. É tudo muito jogado, direto, para sensibilidades apressadas. E o final deixa a impressão de que poderia ter uma elaboração maior. Fechar um filme é tão importante quanto começar, já sabiam os mestres.

O falecido crítico Robin Wood dizia, a respeito dos irmãos Coen, que faziam um cinema cheio de esperteza, mas sem qualquer inteligência. Podemos readequar a sentença para o sul-coreano Bong Joon Ho. O diretor de “Parasita” faz um cinema cheio de esperteza, mas não tão cheio de inteligência.

Não se trata de uma crítica pessoal. É apenas observação dos mecanismos que o diretor usa em seus filmes. A esperteza é sua propulsão, mais do que a inteligência. Ela pode levá-lo perto do máximo, caso de “O Hospedeiro”, ou não muito longe, como em “Mother: A Busca pela Verdade”.

Em “Mickey 17”, levou a um lugar confortável dentro do cinema contemporâneo. Apesar da decepção de ver um vencedor do Oscar voar baixo, o filme vale pelos momentos inspirados de humor e pelas interpretações acertadas de todo o elenco, mesmo nas caricaturas.

O que nos leva à indagação. Há espaço para a inteligência no cinema americano atual? Talvez um espaço bem apertado. “Jurado Nº 2” e “Ferrari” são exceções que praticamente o completaram, por enquanto.

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