18 mar 2025, ter

A advogada de 80 anos que arrisca a vida para defender direitos dos homossexuais na África – 18/03/2025 – Mundo

Apesar de ter sido difamada, ameaçada e humilhada em público, a experiente advogada camaronesa Alice Nkom está determinada a defender os direitos das pessoas homossexuais em seu país.

Uma ONG de direitos humanos que ela dirige, a Redhac, foi suspensa recentemente pelo governo, e ela foi convocada a comparecer perante investigadores para responder a acusações de lavagem de dinheiro e financiamento de grupos terroristas —que ela nega.

A advogada de 80 anos afirma que as autoridades de Camarões estão obstruindo seu trabalho, e acredita que está sendo alvo por causa da assistência jurídica que presta à comunidade LGBT+.

“Sempre defenderei os homossexuais, porque eles arriscam sua liberdade todos os dias e são jogados na prisão como cães”, disse ela à BBC com um tom firme, falando em seu escritório na cidade de Douala.

“Meu trabalho é defender as pessoas. Por que eu não defenderia os homossexuais?”

Vestida com uma túnica preta, Nkom transmite sua mensagem contundente com uma voz comedida que reflete anos de argumentações jurídicas ponderadas.

De acordo com o código penal do país, tanto homens quanto mulheres podem ser condenados a até cinco anos de prisão e a pagar uma multa, se forem considerados culpados de exercer relações homossexuais.

Os membros da comunidade LGBT+ também enfrentam o ostracismo de suas famílias e da sociedade em geral.

Como resultado, Nkom é vista como uma “mãe adotiva” para algumas pessoas que não ocultam sua orientação sexual no país.

A advogada tem filhos, mas centenas, talvez milhares, de outras pessoas também a considerem sua protetora, devido ao seu trabalho de mais de duas décadas defendendo acusados de homossexualidade.

“Ela é como nosso pai e nossa mãe. É a mãe que encontramos quando nossas famílias nos abandonam”, diz o ativista LGBT+ Sébastien (nome fictício).

Comprometida com a Declaração Universal de Direitos Humanos, que está incluída na Constituição de Camarões, Nkom argumenta que ser livre de discriminação com base na orientação sexual deve ser visto como um direito fundamental que prevalece sobre o código penal.

“Não se deve aprisionar direitos fundamentais, não se deve reprimi-los —você deve protegê-los”, diz ela.

Esta é uma luta que colocou Nkom em perigo.

A advogada conta que foi ameaçada fisicamente várias vezes na rua, e revela que, quando começou a atuar nesta área, precisou contratar guarda-costas.

Mas sua jornada para se tornar uma das figuras jurídicas mais expressivas de Camarões começou bem antes disso.

Em 1969, aos 24 anos, Nkom se tornou a primeira advogada negra do país, depois de estudar tanto na França (a antiga potência colonial) quanto em Camarões.

Ela diz que foi incentivada a dar continuidade aos estudos pelo então namorado, que mais tarde se tornou seu marido.

Seu trabalho jurídico contemplou desde o início a representação dos menos favorecidos, mas foi um encontro casual em 2003 que a levou a se envolver na luta pela descriminalização da homossexualidade.

A advogada estava na sede do Ministério Público de Douala quando observou um grupo de jovens algemados em pares, que não tinham coragem sequer de levantar os olhos.

“Quando verifiquei o histórico do processo, percebi que eles estavam sendo processados por homossexualidade”, diz ela.

‘Tentativa de homossexualidade’

Ver os jovens algemados foi uma afronta ao seu senso de direitos humanos. Para Nkom, não havia dúvida: as minorias sexuais deveriam ser incluídas entre aqueles cujos direitos são protegidos pela Constituição.

“Decidi lutar para garantir que esse direito fundamental de liberdade fosse respeitado”, ela acrescenta.

A advogada fundou a Associação para a Defesa da Homossexualidade (Adefho, na sigla em inglês) em 2003.

Desde então, ela se envolveu em dezenas de casos. Um dos mais conhecidos nos últimos anos foi a defesa da celebridade transgênero Shakiro e de sua amiga, Patricia, em 2021.

Ambas foram presas enquanto comiam em um restaurante, e depois acusadas de “tentativa de homossexualidade”.

Elas foram condenadas a cinco anos de prisão por violar o código penal e cometer atentado ao pudor.

“É um golpe muito forte. É a pena máxima prevista na lei. A mensagem é clara: os homossexuais não têm lugar em Camarões”, afirmou Nkom na época.

Shakiro e Patricia foram liberadas depois, enquanto aguardavam um recurso —e fugiram do país.

Desde então, a situação das pessoas LGBT não melhorou.

O ativista LGBT Sébastien, que dirige uma instituição beneficente para apoiar famílias com filhos homossexuais, acredita que a situação piorou recentemente.

No ano passado, foi lançada uma música baseada no mbolé, um popular ritmo local, com um título e uma letra que incentivam as pessoas a atacar e matar homossexuais.

A música ainda está sendo amplamente compartilhada, e é tocada regularmente nos estabelecimentos mais badalados das principais cidades do país.

“As pessoas nos atacam por causa desta música, que glorifica o crime”, diz Sébastien.

As pessoas LGBT+ têm que ocultar sua identidade sexual, mas “alguns indivíduos preparam armadilhas para se aproximar de nós, e nos atacam ou nos denunciam à polícia”, ele acrescenta.

Nkom conta que, quando Brenda Biya, filha do ditador de Camarões, Paul Biya, se assumiu publicamente como lésbica no ano passado, ela pensou que isso poderia ajudar a mudar a lei.

Brenda Biya —que passa a maior parte do tempo no exterior— teria dito que espera que seu posicionamento possa mudar as coisas no país, de acordo com uma declaração divulgada na imprensa local.

Nkom enxerga uma oportunidade. “Estou usando o caso da Brenda como precedente. Agora tenho um caso com o qual posso desafiar o presidente”, diz ela.

A advogada também pediu a Brenda que fizesse mais pela causa da comunidade LGBT+ em Camarões.

“A Brenda ainda não me respondeu, desde que fiz a declaração na mídia, mas sei que ela vai responder.”

Por enquanto, a defensora dos direitos humanos vai continuar seu trabalho jurídico.

Nkom vê a última tentativa de restringir seus esforços como apenas mais um obstáculo —certamente não grande o suficiente para fazê-la desistir da batalha que vem travando desde 2003.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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