A inseminação artificial caseira não tem previsão legal e traz riscos às mulheres e às crianças. Bem diferente da reprodução medicamente assistida, que tem regulamentação pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Mesmo assim, a inseminação caseira é praticada por supostos doadores de sêmen e mulheres que buscam a gravidez, segundo informações da imprensa. Um homem, que se apresenta em grupos virtuais, ejacula em um recipiente e a mulher introduz o sêmen no seu útero através de seringa ou cateter. Esta Folha, em oportuna reportagem publicada em 7 de janeiro (“Mulheres relatam assédio de doadores em inseminação caseira”), mostra que a prática tem incentivado até mesmo assédio e abusos contra as mulheres. Há homens que pedem fotos íntimas e exigem “estímulos” para ejacular, relata o jornal.
Se não for para assédio, haveria venda do esperma? Recorde-se que o assédio sexual e a venda de sêmen são vedados pela legislação. Afinal, quem doaria seu sêmen para que uma mulher desconhecida engravide, por meio de procedimento que não tem previsão legal, com o risco de ser forçado a reconhecer a paternidade da criança? Bem diferente da reprodução medicamente assistida, em que o material genético doado não gera vínculo de paternidade conforme as normas citadas.
Mas há outros riscos, alertados pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) ao CNJ, em manifestação no pedido de providências do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), que pretendia incentivar a inseminação caseira. A ADFAS comprovou, por meio de laudo médico, que a mulher pode ter perfuração no colo do útero e, assim como a criança, ser contaminada por doenças, como a Aids. O ser humano assim gerado não terá dados genéticos do ascendente para tratamentos de saúde. A Anvisa e o CFM posteriormente se opuseram ao referido pedido, que foi julgado improcedente.
Para o registro de criança recém-nascida e gerada por reprodução assistida, o CNJ exige a apresentação de declaração do diretor técnico da clínica, atestando que o procedimento ocorreu sob supervisão médica e segundo normas éticas, conforme Provimento CNJ 149. É esta norma que o citado instituto pretende revogar.
Recentemente foi realizado pelo referido instituto outro pedido ao CNJ, sob argumento desvirtuado dos fatos demonstrados no processo julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nessa decisão foi autorizado o registro da criança com cerca de 2 anos pela companheira da mãe biológica porque houve demonstração da relação socioafetiva. A concepção da criança deu-se durante a união estável das duas mulheres, tendo sido verificado pelo Poder Judiciário o melhor interesse da criança.
Recordemos que a filiação socioafetiva, que tem os mesmos efeitos da biológica, constrói-se com o passar do tempo. O Provimento CNJ 149 possibilita o seu registro se a criança completou 12 anos, com apuração pelo Cartório de Registro Civil da conjugalidade e de dados objetivos sobre a exteriorização da parentalidade. Se for um recém-nascido ou uma criança em tenra idade, a autorização de registro de nascimento deve ser judicial, com realização de provas, inclusive periciais, sobre o melhor interesse do menor, conforme várias decisões dos tribunais brasileiros.
O Poder Legislativo brasileiro precisa urgentemente coibir a inseminação caseira, a exemplo do que foi feito em Portugal pelo decreto-lei 319/1986. Naquele país, a reprodução artificial somente pode ser realizada por método medicamente assistido, com sêmen recolhido, analisado e conservado por instituições públicas ou privadas.
Separemos o joio do trigo e não sejamos iludidos por métodos que obnubilam a razão, colocando em risco a saúde humana e a segurança jurídica.
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