Uma empresa de publicidade que tem ligações com figuras do mensalão firmou contratos com o governo Lula (PT) e fez campanhas para a CGU (Controladoria-Geral da União), órgão da gestão federal responsável por prevenir e combater corrupção, e para ministérios da gestão petista.
A Filadélfia Comunicação, sediada em Belo Horizonte, está sob o nome de Érica Fantini Santos. Ela é enteada do advogado José Roberto Moreira de Melo, ex-sócio do publicitário Marcos Valério em uma assessoria empresarial.
Moreira de Melo foi condenado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro em um desdobramento do mensalão na Justiça Federal no Rio de Janeiro. Ele recorre da decisão.
A Filadélfia assinou, em novembro de 2024, um contrato de R$ 13,97 milhões para prestar serviços de comunicação digital ao Ministério das Comunicações durante um ano.
Dentro do contrato, a empresa também realizou campanhas a outros órgãos do governo Lula. No fim de 2024, o governo reservou R$ 593 mil para a empresa prestar serviços ao Ministério de Portos e Aeroportos.
Uma parte do contrato do Ministério das Comunicações também foi utilizada para elaborar um vídeo institucional de 20 anos do Portal da Transparência, a pedido da CGU. A campanha custou R$ 116,1 mil.
Apesar de não compor a gestão da empresa que concorreu às licitações, Moreira de Melo disse que a agência era sua e se vangloriou do avanço dos novos contratos da companhia em um áudio enviado na última semana para a sua filha Flávia Melo, com quem tem relações rompidas.
“A Filadélfia, a minha empresa, se mudou para o melhor prédio de Belo Horizonte”, diz ele, que reclama de a filha não ter aceitado fazer parte do quadro societário.
“Estamos ocupando meio andar. Somos vizinhos da Vale do Rio Doce, que ocupa 15 andares do prédio”, afirmou, acrescentando que não pode ter bens em seu nome por ser réu em uma ação criminal que está com recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Como mostrou a Folha em 2020, a agência também venceu licitação para atuar na publicidade do governo Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais.
“Nós temos contrato com o governo do estado, do Zema. O melhor contrato do estado é nosso. Nós temos contrato com a Prefeitura de Belo Horizonte, participamos da eleição do prefeito Fuad [Noman]. Estamos agora entrando no governo federal. Já temos filial em Brasília e no Rio de Janeiro e vamos partir para São Paulo. Então, é isso aí que eu consegui trabalhando”, diz Moreira de Melo no áudio.
A mensagem de áudio foi enviada à Folha pela própria Flávia, que afirma à reportagem que resistiu às tentativas do pai de incluí-la como sócia da empresa.
Procurado, Moreira de Melo disse que não faz parte das atividades da empresa e que atualmente é escritor. Além disso, ameaçou processar a reportagem.
“Você está embarcando em uma briga de família, em um troço que não tem o menor sentido, e tentando transformar isso em notícia. Isso é bandidagem e eu vou entrar com um processo contra você”, afirmou.
Um dia depois das ofensas e ameaças à reportagem, ele enviou uma nota afirmando que o áudio para a filha foi “apenas para inflamar uma briga familiar de cunho estritamente privado”.
“As declarações sobre eventual ‘gestão’ na Filadélfia foram fruto de uma fantasia criada unicamente para causar impacto emocional em sua filha”, disse na nota. “Tudo o que foi falado foi retirado de informações da própria imprensa.”
Também procurada, a Filadélfia diz em nota que a empresa é de gestão exclusiva de Érica Fantini desde 2016 e não tem qualquer vínculo com agências como a SMP&B (envolvida no mensalão) ou com Marcos Valério e Cristiano Paz, condenados no escândalo.
Também afirma que Moreira de Melo não tem qualquer papel na gestão direta ou indireta da empresa.
Em fevereiro, o Banco da Amazônia anunciou que a Filadélfia venceu a licitação para assumir a sua conta de comunicação digital. A empresa deve assinar com o banco um contrato anual de cerca de R$ 20 milhões.
A Filadélfia também está perto de se tornar uma das quatro empresas que devem executar as campanhas publicitárias dos Correios, dentro de contrato anual de R$ 380 milhões. A agência mineira teve a segunda melhor pontuação em uma análise técnica feita por comissão montada pela estatal. A disputa está em fase de recursos.
Em nota, os Correios afirmaram que a licitação segue a legislação e os critérios estabelecidos no edital e que, somente após a conclusão das próximas etapas (propostas de preços e análise dos documentos), as vencedoras serão oficialmente definidas.
O CNPJ da Filadélfia Comunicação que concorre às disputas públicas nunca teve Moreira de Melo em seu quadro societário e foi criado em 2016, já sob o comando da sua enteada.
Mas, antes disso, já existia um outro CNPJ de uma Filadélfia Comunicação registrada no mesmo andar da que foi criada posteriormente, em um prédio na rua Antônio de Albuquerque, no bairro da Savassi.
Essa pessoa jurídica mais antiga tinha uma sociedade composta pelos filhos de Cristiano Paz, que foi sócio da SMP&B, agência de publicidade usada no esquema de lavagem de dinheiro do mensalão.
Segundo documentos da Junta Comercial de Minas Gerais, um dos filhos de Paz chegou a ser vice-presidente da empresa.
Esse CNPJ continua ativo, mas sem os Paz e apenas com Moreira de Melo como sócio. Essa pessoa jurídica não participa de concorrências públicas.
No passado, Moreira de Melo foi sócio de Marcos Valério na empresa Tolentino & Melo Assessoria Empresarial. Segundo o Ministério Público Federal, ele ofereceu e pagou vantagem ilícita a um procurador da Fazenda para que ele beneficiasse instituições financeiras clientes da firma.
Nos autos, ele diz que não há comprovação de autoria dos delitos e pede prescrição de penas.
Em nota, a Filadélfia diz que desde 2016 “está sob gestão exclusiva de sua sócia, Érica Fantini, nunca tendo tido qualquer vínculo com agências como SMP&B ou com figuras como Marcos Valério e Cristiano Paz”.
Afirma também que Moreira de Melo não possui qualquer papel na gestão direta ou indireta da empresa nem integra seu quadro societário.
Além disso, diz que atende contas públicas “sempre por meio de processos licitatórios, cumprindo rigorosamente as leis e normas de compliance, o que lhe tem conferido amplo reconhecimento no mercado”.
Procurado, o Ministério das Comunicações diz que a empresa foi “contratada por meio de processo licitatório conduzido com total transparência e livre concorrência” e diz que tem tratado apenas com a proprietária e os diretores legalmente constituídos.
A CGU afirma que buscou alternativas entre ministérios que pudessem oferecer auxílio na produção de vídeo por não ter contrato firmado para esse serviço. “Na ocasião, o Ministério das Comunicações informou a existência de contrato para serviços de comunicação digital.”
O Banco da Amazônia diz que a contratação da Filadélfia seguiu processo de licitação regular e “todos os critérios para a seleção do fornecedor estão estritamente alinhados com a legislação pertinente”.