15 mar 2025, sáb

Agências de espionagem e a origem da Covid-19 – 15/03/2025 – Reinaldo José Lopes

A imprensa alemã fez certo barulho nesta semana ao divulgar as conclusões de um relatório sobre as origens do vírus causador da Covid-19. Segundo os jornais Die Zeit e Süddeutsche Zeitung, o serviço de inteligência da Alemanha, o BND, teria concluído, ainda em 2020, que provavelmente o vírus “escapou” por acidente de um laboratório na cidade chinesa de Wuhan. A conclusão, porém, só veio a público agora com o vazamento nos jornais, e o governo alemão não quis comentar o relatório.

O que o BND diz também é que o FBI concluiu em 2023 (ainda que num nível de confiança mais baixo). Será que essa concordância deveria ter um peso grande para a visão que temos sobre as origens da pandemia? E, mais importante ainda, deveria influenciar a maneira como nos preparamos para enfrentar pandemias do futuro?

Por enquanto, creio que a resposta mais segura é “não”, e um “não” especialmente enfático no caso da segunda pergunta. Tentemos examinar o porquê.

Primeiro, o problema de aceitar acriticamente qualquer conclusão alcançada por agências de inteligência/espionagem, mesmo as de países democráticos, é que transparência nunca é o forte desses órgãos. Quase por definição, não é possível saber em que fontes estão se baseando para dar mais peso à hipótese do “vazamento de laboratório” do vírus Sars-CoV-2, o causador da pandemia.

Além disso, não parece plausível que eles tenham uma estrutura laboratorial e de análise de amostras de tecidos e material genético viral própria e totalmente separada da comunidade científica de seus próprios países, que lhes permita fazer sua própria pesquisa básica e chegar a conclusões diferentes das dos pesquisadores “civis”.

O problema mais amplo e mais sério, porém, talvez seja o da própria plausibilidade acerca de como novos causadores de doenças emergem e se espalham. O que direi agora pode soar categórico demais para quem não está familiarizado com o tema, mas é a pura verdade: descartando a Covid-19, sabe quantas pandemias vieram de um laboratório? Zero. Nenhuma. Caso se confirme que o Sars-CoV-2 vazou mesmo de um tubo de ensaio ou placa de Petri chineses, seria o primeiro e único caso.

Isso não significa que patógenos não “fujam” de laboratórios de vez em quando, nem que alguns tipos de pesquisa biomédica com eles não sejam potencialmente perigosos. Mas: 1)micro-organismos e vírus fujões costumam causar, no máximo, surtos localizados, porque sua capacidade de espalhamento é finita sem um “bombeamento” constante da fonte laboratorial; 2)modificá-los para que sejam especialmente perigosos e contagiosos é menos simples do que parece. Sabemos pouco sobre como criar um patógeno pandêmico.

Algo assim pode ter acontecido em Wuhan? Não dá para descartar essa possibilidade, embora as evidências disponíveis e verificáveis hoje apontem, via de regra, para uma origem natural.

De qualquer maneira, a probabilidade de que uma nova pandemia apareça a partir da interação entre seres humanos e outras espécies de mamíferos e aves, principalmente as que encontramos com o desmatamento, a intensificação agropecuária e o tráfico de animais silvestres, continua sendo o que sempre foi: muito alta. E é aí que mora o principal perigo.


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