Trazer ao Brasil produtos enviados diretamente das fábricas chinesas (o chamado cross border ecommerce) foi uma das principais estratégias do AliExpress para completar 15 anos no Brasil entre os dez maiores marketplaces em atividade no país.
No Brasil, o principal desafio da plataforma foi driblar dificuldades logísticas —os produtos levavam mais de 90 dias para chegar ao país; hoje, o prazo é de cerca de cinco dias—, diz Briza Rocha Bueno, CEO no país há quatro anos.
No último ciclo, a companhia do Alibaba Group, império do empresário chinês Jack Ma, também precisou aperfeiçoar sua relação com os órgãos de regulação após a criação do programa Remessa Conforme.
Briza diz que as taxas mudaram o comportamento do público, agora mais seletivo na compra, e das empresas, que tiveram de repensar estratégias.
A executiva afirma que prefere olhar o varejo digital (que faturou R$ 204 bilhões no ano passado, mas representa somente 12% da indústria varejista) como um grande bolo que precisa crescer coletivamente.
Sua meta é primeiro horizontalizar a digitalização ainda incipiente do varejo e depois pensar em se verticalizar na guerra com a concorrência.
Para isso, a companhia criou uma rede de apoio a vendedores locais, que foram integrados à operação em 2021, rompendo com o padrão do AliExpress global, de trabalhar somente com vendedores instalados na China.
Também ampliou o desenvolvimento de parcerias, sobretudo com micro e pequenos influenciadores, os chamados AliExperts, e fechou um acordo comercial com o Magalu em que ambas as varejistas revendem produtos selecionados em suas plataformas.
Como foi o início da operação do AliExpress no Brasil e como foi a aceitação inicial do público?
Pessoalmente, peguei muito a entrada dos ecommerces internacionais vendendo no Brasil e era muito legal a sensação de encontrar um monte de produtos a que você nunca teria acesso. Parte do nosso DNA é fazer a conexão do consumidor direto com o vendedor.
Quais foram os principais desafios?
O logístico. Às vezes o produto demorava mais de 90 dias para sair da China e chegar ao Brasil. O processo era todo feito via navio, totalmente diferente de hoje, com uma cadeia muito mais longa de chegada para o consumidor. As pessoas até tinham aquela sensação de alegria quando chegava o produto que nem lembravam que tinham comprado há tanto tempo.
Quatro anos após a nossa chegada, tivemos o primeiro feedback legal de crescimento porque, dentro das empresas asiáticas, o Brasil era um dos principais mercados e despontou muito olhando para a participação do cross border.
Em 2017, tivemos uma consolidação disso. Nesse período, mais ou menos 20 milhões de pessoas já estavam comprando em plataformas internacionais, sendo que mais da metade comprava pelo AliExpress. Já oferecíamos produtos de qualidade, com um preço muito acessível, integrando o consumidor às grandes fábricas.
Parte da estratégia da empresa é manter um catálogo extenso com preços mais baixos. Esse modelo de negócio pode mudar em algum momento, ou é um caminho de longo prazo?
O grande foco do Alibaba como um todo é o lema ‘global buy, global sell’, que é fazer com que as pessoas do mundo todo comprem e vendam para todo o mundo. Esse processo passa por várias etapas. Uma delas é garantir todo o fluxo, ter uma operação para fazer isso acontecer. Tem a parte do sortimento em si, que é garantir mercado não só do cross border, mas para todos os tipos de produtos. Isso amplia a competitividade entre os próprios sellers [comerciantes], que diminuem os preços na plataforma.
Como a inclusão de vendedores brasileiros à plataforma impactou na dinâmica das vendas?
Os principais impactos são muito da operação. Os sellers estão localizados em várias partes do mundo, a maior parte na China, que é onde a gente tem a maior cadeia de distribuição. Mas não tinha nenhum seller brasileiro ainda na plataforma. O AliExpress está em 200 países e podemos contar na mão aqueles em que o vendedor está no mesmo lugar que o comprador. O nosso ponto principal é a visão de custo-benefício, dos produtos terem preços e prazos competitivos.
Os produtos do seller brasileiro também são muito diferentes dos do cross border. O brasileiro está acostumado com um tipo de airfryer, por exemplo, mas as airfryers do cross border são totalmente diferentes.
As entregas demoravam semanas para chegar ao Brasil e hoje levam cerca de cinco dias. Como é o planejamento dessa logística?
Trabalhamos com muitos modelos. Existe o modelo do vendedor do cross border da China, em que pensamos em como deixar o fluxo mais rápido dentro da própria China. A frequência de voo também é um ponto que estamos mudando, vendo o quanto é aceitável para o cliente o tempo de entrega e considerando a demanda para fazer os voos semanais. Otimizar a cadeia logística é sempre uma questão complexa.
A parceria com o Magalu foi feita pensando na ampliação dessa logística no Brasil ou o interesse é um pouco mais amplo?
O nosso principal foco na parceria com o Magalu foi a questão dos itens. Conseguirmos o sortimento do Magalu dentro da nossa plataforma e oferecer os itens do Ali na plataforma do Magalu é um ‘ganha ganha’. Claro que isso abre outras oportunidades em várias frentes.
O período anterior ao Remessa Conforme acendeu algum tipo de alerta no grupo? Como é que vocês lidaram com aquele embate?
O nosso jeito de atuar foi estar perto, tentando entender o que estava acontecendo e mostrar a nossa visão das coisas. Lançamos um estudo mostrando um pouco a visão do consumidor sobre aquelas questões. A ideia era não deixar apenas as visões que a gente já tem na mesa, mas mostrar a experiência internacional que o Alibaba tem em relação ao tema em outros lugares do mundo. Estamos em 200 países, cada país tem uma regulação diferente. De certa forma estamos acostumados a esse tipo de situação.
Foi preciso ajustar muito a operação com a taxa das blusinhas? Como é administrar todas essas variáveis e ainda lidar com a alta do dólar que, acredito, afeta muito a operação?
A gente tenta entender o que o consumidor quer. Com a mudança das taxas teve uma mudança de comportamento, com o cliente pensando ‘que tipo de produto eu encontro com o melhor custo-benefício?’. Da nossa parte, como plataforma, procuramos dar desconto em categorias específicas para ajudar esse cliente. Estamos sempre fazendo essas ações, tentando oferecer para o cliente o melhor produto, com o melhor preço possível. Isso não muda no nosso dia a dia, mas o consumidor passa a olhar de outro jeito e a gente tem que observar como mais um detalhe para encontrar oportunidades.
Tem também esse trabalho conjunto com os sellers locais, eles ajudam nesse sentido, porque o sortimento é muito complementar.
Qual é o planejamento do AliExpress no Brasil para os próximos anos? Vocês pensam em expandir, abraçar novos tipos de serviços ou ampliar o modelo de negócio?
O Brasil está no top 5 de países do Aliexpress no mundo, é bem estratégico para nós. Estamos sempre tentando encontrar maneiras de melhorar o serviço no geral, sempre com foco de aumentar a digitalização do varejo. É menos a briga entre os marketplaces que estão aqui hoje localmente e mais o que fazer para esse bolo crescer. Como a gente consegue fazer com que a venda total cresça e aí todo mundo cresça junto. Já oferecemos as menores taxas para os sellers operarem no Brasil, para eles conseguirem se desenvolver dentro da plataforma. Independentemente da forma, a gente quer sempre estar perto do cliente, oferecendo o que ele precisa e no melhor serviço possível. Isso não muda e vamos continuar nesse caminho.
RAIO-X | Briza Rocha Bueno
Formada em publicidade, possui MBA em marketing digital pela FGV com especialização em Harvard (EUA). Teve passagens pela Siemens e Lecheese e trabalhou por 11 anos nas divisões de marketing da B2W e Americanas. Atua como CEO do AliExpress no Brasil desde 2021.