Em 2023, o editor da revista The New Yorker, David Remnick, perguntou ao agora secretário de Saúde do governo Trump, Robert F. Kennedy Jr., se ele tinha mudado de posição sobre a insinuação de que vacinas causavam autismo. Remnick alertou que não queria entrar a fundo no debate, já que ele tem uma filha autista de alto nível de suporte, e mencionou o dano que aquela desinformação provocava.
A resposta veio numa interrogação. “David, você tem que responder a essa pergunta: se não vem das vacinas, então de onde vem? Por que ninguém nos diz isso?”
A cúpula do governo Trump parece estar alinhada numa mesma resposta.
Em sua fala ao Congresso americano no início do mês, Donald Trump disse que “não faz muito tempo, vocês não vão acreditar nesses números, uma a cada 10.000 crianças tinha autismo. Uma a cada 10.000. E agora é uma a cada 36. Algo está errado. Uma em 36. Pensem nisso. Então nós vamos descobrir o que é e não há ninguém melhor que o Bobby”.
No último domingo, dias depois da fala de Trump ao Congresso, a Reuters informou que o CDC, braço do governo americano para o controle e a prevenção de doenças, vai estudar justamente o vínculo potencial entre vacinas e autismo. Ao blog, a Secretaria de Saúde americana informou que, “como disse o Presidente Trump em sua fala ao Congresso, a taxa de autismo em crianças americanas disparou. O CDC não deixará pedra sobre pedra em sua missão de descobrir exatamente o que está acontecendo”.
Essa é uma volta (arriscada) ao passado. Mais exatamente a 1998.
Naquele ano, o médico britânico Andrew Wakefield insinuou que comportamentos autistas de um punhado de crianças que ele acompanhava poderiam estar ligados à vacina tríplice viral — que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. Wakefield publicou um artigo sobre isso no prestigiado Lancet e recomendou que os pais dessem as três vacinas isoladamente, e não agrupadas naquele combo.
O vilão, depois, passou a ser o timerosal, conservante usado em algumas vacinas.
Desde os anos 1990, ambas as alegações — de que a vacina tríplice viral ou o mercúrio causariam o autismo — foram rejeitadas por uma variedade de estudos científicos (o artigo de Wakefield foi retirado pelo próprio Lancet).
Em seu site, até o momento, o próprio CDC afirma que “vacinas não causam autismo”.
É verdade que ainda não temos respostas precisas sobre o autismo. Sabemos que a disparada de casos se deve, em muito, por mais informação sobre o transtorno e por mais acesso ao diagnóstico.
Sabemos que os sintomas de autismo costumam ficar mais evidentes para os pais quando a criança tem entre um ano e meio e dois anos — por isso, até, a correlação com a vacina tríplice viral, que costuma ser aplicada em crianças a partir dos 12 meses. Também há uma correlação no tempo entre a massificação da vacina tríplice viral (criada na década de 1970) e o crescimento de diagnósticos.
Mas correlação não implica causalidade.
A fumaça que desconsidera evidências científicas é perigosa, basta ver as mortes recentes por sarampo por recusa de vacinação nos Estados Unidos e a não tão distante pandemia de Covid-19.