No dia 2 de janeiro o cantor Gusttavo Lima anunciou que se candidataria à Presidência do Brasil. Nesta quarta (19), ele comunicou a desistência. As especulações sobre suas reais motivações foram muitas, mas uma coisa é certa: Gusttavo Lima é um dos símbolos do homem da periferia, que se sente cada vez mais marginalizado no século 21.
O analista político Josias de Souza sugere que a candidatura do sertanejo seria mera estratégia de marketing artístico. Outros no mundo político acreditam que a candidatura, surgida após o fenômeno Pablo Marçal bagunçar a política em São Paulo, poderia ser um teste para as direitas com vistas a 2026.
Para o youtuber Dudu Purcena, conhecido por seu canal sobre música sertaneja, o lançamento de Gusttavo Lima à Presidência era uma forma de impulsionar a candidatura do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, amigo pessoal do cantor e possível candidato à Presidência em 2026.
Para o jornalista André Piunti, é preciso considerar que Gusttavo Lima tem um apetite megalomaníaco por grandes conquistas, e a Presidência seria uma extensão de sua trajetória repleta de ambições.
É inegável que Gusttavo Lima é um homem de resultados, alguns discutíveis. Sua música “Balada Boa” fez sucesso internacional em 2012, e ele acumula mais de 45 milhões de seguidores no Instagram. É empresário de diversos empreendimentos e esteve envolvido em polêmicas relacionadas a casas de apostas e shows milionários pagos por prefeituras de municípios carentes. Politizado à direita, liderou a comitiva sertaneja que foi ao Palácio do Planalto abraçar Bolsonaro em outubro de 2022, em plena campanha eleitoral.
O cantor musculoso, tatuado, de barba máscula e que se apresenta como um pai de família exemplar nem sempre foi assim. Quando começou a carreira em 2009 tinha 20 anos de idade e uma cara de moleque travesso. Esmirrado, magrelo e esquisito, nem de longe se parece com homem que se tornou. Depois de muitas intervenções estéticas e muita academia (que as más línguas preferem atribuir a anabolizantes), virou o emblema do macho sertanejo sobrevivente das dificuldades da infância pobre.
Uma parte considerável dos eleitores de Bolsonaro é formada por homens da periferia cujas origens são muito semelhantes às de Gusttavo Lima. No mundo do século 21, eles são o estrato que menos obteve perspectivas de melhora social. Diferentemente de seus pais, sua vida não apresenta avanços sensíveis durante sua geração. Mais grave ainda, como vem apontando o jornalista Pedro Dória em seu canal Meio, os homens periféricos ressentem-se do respeito de outrora. A internet coloca-os num mundo onde as hierarquias apresentam-se de ponta cabeça e o poder da manada conta mais que sua autoridade.
Ao ascender, Gusttavo Lima metamorfoseou-se de homem periférico em membro da elite econômica do país. E, como lembra o antropólogo Michel Alcoforado, a elite brasileira acha que venceu na vida a despeito do país. É diferente da elite americana, que sente-se em débito com o país pelas oportunidades proporcionadas, e por isso retorna para a sociedade parte de seus ganhos. Aqui no Brasil, não há o costume de os ricos doarem dinheiro para o Estado ou para as universidades, pois estes são vistos como anti-povo no imaginário nacional. Resta aos pobres que ascendem minar o Estado.
É um ressentimento difícil de entender. Mas são milhões os que pensam assim. Periga em 2026, com ou sem Gusttavo Lima, que estes retornem à Presidência. Nos EUA já retornaram com Trump.
As esquerdas insistem em ignorar esse estrato social, tratando com nojinho qualquer um que não seja o verdadeiro periférico, ou seja, mulher, negro ou homossexual. Enquanto a política continuar desfocada das maiorias, o ressentimento deve prosseguir. E sempre haverá um outro Gusttavo Lima ou um novo Pablo Marçal a se metamorfosear no macho estereotipado desse tipo de discurso populista muito eficaz.