17 mar 2025, seg

Brasil não pode perder o controle sobre seu destino – 30/01/2025 – Ilustríssima

[RESUMO] O acirramento de conflitos geopolíticos, de incertezas econômicas e da emergência climática demanda, argumenta o autor, que o Brasil avance em um projeto nacional de desenvolvimento ancorado em investimentos em infraestrutura, reindustrialização e transição energética e ambiental. Lula já demonstrou sua capacidade de superar crises e, em 2025, o governo deve priorizar crescimento econômico, revisão do relacionamento com o Legislativo e mitigação de eventos climáticos extremos.

Uma era de grandes incertezas econômicas e mudanças significativas no cenário geopolítico internacional, como a que vivemos hoje no mundo, exige de um país como o Brasil capacidade de controlar o próprio destino a fim de moldar o seu futuro. Esse é talvez o grande desafio do nosso tempo, uma questão que deve dirigir tanto nossa política externa quanto um inadiável projeto nacional de desenvolvimento.

O início do novo governo de Donald Trump, com um conjunto de medidas que inevitavelmente vão aguçar conflitos geopolíticos e instabilidade econômica, só acelera essa necessidade.

Como disse Thomas Shannon, ex-subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental e ex-embaixador dos EUA no Brasil, em artigo publicado no jornal O Globo, Trump acredita que “o país pode controlar o seu destino se estiver preparado para garantir a segurança das suas fronteiras, proteger suas indústrias e economia e evitar aventuras estrangeiras”.

O presidente dos EUA tem a sua convicção, e o Brasil também precisa ter a sua. Sobretudo, precisa ter a certeza de que, em uma época de mudanças como a nossa, não pode perder o controle do seu destino e do seu futuro. Essa necessidade vai além de Trump e do seu governo, que acaba de lançar frentes de batalha contra imigrantes, a América Latina, a agenda climática, a OMS (Organização Mundial de Saúde), a Europa e a Rússia —sem falar na inevitável guerra comercial contra a China.

Já vínhamos em um mundo de conflitos com impacto global, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e a guerra de Israel contra o povo palestino, mas há também os problemas econômicos enfrentados pelos EUA em decorrência da sobrevalorização do dólar, da dívida pública, dos riscos de inflação e da ameaça de perder a hegemonia comercial e tecnológica, além da redistribuição de poder e da força da emergência de países como China, Índia, Rússia, Irã, Turquia, Indonésia, Arábia Saudita e Brasil.

Há também, nos EUA, o agravamento da desigualdade social, do crime e da violência, o crescimento dos sem-teto, a crise em seu sistema saúde e o desafio da imigração, sem a qual a economia norte-americana não vive.

Projeto nacional de desenvolvimento

Esse cenário exige, mais do que nunca, um projeto nacional de desenvolvimento, ancorado na Nova Indústria Brasil, no PAC e na transição energética e ambiental —tema no qual venho insistindo, especialmente com a necessidade do Brasil buscar autonomia tecnológica e financeira, cuja ausência pode fazer com que o país termine por perder a capacidade de construir seu próprio destino. Sem isso, seguiremos à mercê das instabilidades e incertezas internacionais, perdendo o bonde das transformações geopolíticas e econômicas.

Tenho dito que, com suas necessidades e desafios, o Brasil não pode nem prescindir da capacidade de transferência de tecnologia, créditos e investimentos que a China tem nem subestimar o outro mundo que está surgindo.

Um bom exemplo é o conjunto de acordos assinados em novembro entre o Brasil e a China. Os atos assinados por Lula e Xi Jinping incluem parcerias nas áreas de infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde e cultura.

Mais do que nunca, o Brasil precisa equilibrar-se entre a ascensão da China e do Sul Global, que são a força emergente do século 21, e nossas históricas relações com os EUA e a Europa.

Para esse equilíbrio ser bem-sucedido, porém, o Brasil precisa de uma estratégia capaz de preparar o país para enfrentar as consequências das medidas que Trump adotará e, ao mesmo tempo, promover uma verdadeira revolução social capaz de preservar nossa liderança na integração da América do Sul. Uma estratégia que, sob a liderança do presidente Lula, construa consensos mínimos, una setores de classes empresariais e classes trabalhadoras, supere divisões e evite más escolhas.

Agendas prioritárias

Como recentemente noticiado, a popularidade do governo tomou um tombo histórico no meio do terceiro mandato do presidente. Há mais gente achando seu governo ruim/péssimo que ótimo/bom. É a primeira vez que o saldo de popularidade de Lula fica negativo, para além da margem de erro.

O mais importante: algumas das maiores perdas de aprovação se deram entre os mais pobres e os moradores do Nordeste, dois dos segmentos que mais ajudaram Lula a derrotar Jair Bolsonaro nas urnas em 2022.

Eis algumas agendas que parecem fundamentais para este ano e o próximo:

1. A economia tem de continuar a crescer, sem o que todas as outras prioridades ficam prejudicadas. Ao mesmo tempo, o aumento da cesta básica é uma realidade. Precisamos de uma resposta efetiva, com uma política agrícola nacional para a agricultura familiar e a formação de estoques reguladores. Do contrário, precisaremos importar. Sem essa resposta efetiva, não adiantará obter bons indicadores, como o crescimento do PIB e geração de emprego, estando preços de produtos de primeira necessidade em constante elevação.

Se o preço dos alimentos, especialmente a cesta básica, é prioridade, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) devem ter recursos orçamentários à altura do desafio.

2. O governo deve preventivamente se preparar para incêndios, enchentes, ondas de calor e de chuva e outros efeitos da emergência climática e ser eficiente nas respostas a esses eventos. Também será fundamental dar atenção especial à construção da agenda da COP30, em Belém.

3. O crime organizado em todo o país e o avanço do narcotráfico na região da Amazônia demandam a continuidade e o fortalecimento da política anunciada pelo Ministério da Justiça, com visibilidade e impacto.

4. Atenção à educação profissional e ao ensino integral para enfrentar o problema da falta generalizada de mão de obra.

5. As mudanças na comunicação do governo devem incluir as relações e as articulações políticas com o Congresso e a sociedade. A comunicação precisa ser vista, portanto, de forma ampliada: sem articulação política ampla, uma pode inviabilizar a outra.

Enquanto isso, o papel do presidente e dos ministros da área é decisivo. Mais do que nunca, é preciso ir ao encontro das lideranças do país e levar a outro patamar a articulação política do governo. Tão importante quanto isso: o presidente precisa falar mais com o Brasil, com o povo e com os formadores de opinião e lideranças políticas e cívicas.

6. Ainda na esfera política, a relação do governo com o PT e suas bancadas tem de mudar. É preciso transformar em realidade e dar visibilidade à frente ampla que elegeu Lula em 2022. O governo precisa de uma aliança de centro-esquerda e esquerda fortalecida, capaz de apoiar e mobilizar em defesa de suas iniciativas. É preciso também criar espaços com lideranças do PT e partidos aliados para discutir e avaliar nossas políticas e estratégias.

7. Além de aperfeiçoar a articulação política com o Congresso, é preciso dar visibilidade e transparência às negociações com o Legislativo e, sobretudo, não recuar na necessária mudança nas emendas parlamentares impositivas —ou o governo seguirá refém de uma estrutura que não exige dos partidos compromisso com o êxito das políticas públicas.

Ademais, como o governo não tem maioria parlamentar, fica sujeito aos interesses de um Parlamento conservador na pauta de costumes, liberal nas questões econômicas e sem escrúpulo em trocar votos por interesse político. É preciso pôr o dedo nos riscos de mal aplicação e desvio de recursos das emendas parlamentares.

Economia e política agrícola, educação e enfrentamento da emergência climática, capacidade de comunicação e articulação com o Congresso, sociedade e lideranças e revisão do modelo de relacionamento com o Legislativo e gestão do Orçamento, eis as prioridades que devem compor a agenda do governo de 2025.

A história mostra que Lula sabe superar crises e impasses

A atenção devida a essas agendas é o primeiro passo para que o país possa construir, de fato, um projeto nacional de desenvolvimento, tendo como base a Nova Indústria Brasil, o PAC e a transição energética e ambiental, o que resultará no fortalecimento da indústria, do setor agrícola e em transferência de tecnologia e de financiamento de longo prazo.

O presidente Lula já mostrou diversas vezes que tem capacidade, liderança e experiência na superação de momentos de grande impasse, reorientando o seu governo. Basta lembrar que, entre 2005 e 2006, seu primeiro governo enfrentou uma crise de proporções inéditas, precisando lidar com os efeitos do que se convencionou chamar de crise do mensalão.

Lula lidou, enfrentou e saiu vitorioso na disputa pela reeleição em 2006. Também soube enfrentar a profunda crise financeira global de 2008 e 2009. Seu segundo governo reorientou a política econômica, lançou o PAC e se recusou a adotar a política de austeridade proposta, como sempre, pelos setores da direita, da mídia e do mercado financeiro. Com audácia, superou a crise e teve um segundo mandato forte e com grandes resultados na economia e na popularidade.

Agora, nesse mundo que surgirá, é hora, mais uma vez, de uma orientação em suas políticas e no exercício de sua capacidade de liderança. Mais do que nunca, o país precisará de coesão interna e de um projeto nacional que nos ajude a enfrentar as incertezas internacionais. É o meio, enfim, de o Brasil ter domínio sobre o seu destino.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *