14 mar 2025, sex

Brasileira é 1ª mulher a dirigir jardim botânico dos EUA – 27/01/2025 – Ambiente

A botânica Lúcia Lohmann, professora da USP (Universidade de São Paulo), assumiu em 6 de janeiro o cargo de presidente do Jardim Botânico do Missouri, nos Estados Unidos. A instituição, fundada em 1859, é considerada um dos três principais jardins do mundo, junto com o Kew Gardens, de Londres, e o Jardim Botânico de Nova York.

Para além de uma realização pessoal, Lohmann será a primeira mulher e primeira pessoa com origem na América Latina a assumir a direção do instituto, que fica na cidade de Saint Louis.

“É um desafio grande porque estamos em um mundo em constante mudança e precisamos, mais do que nunca, encontrar soluções para problemas que nem sabemos ainda que estão por vir”, diz ela, em entrevista por vídeo à Folha de sua casa no Missouri, onde ficou isolada nos dois primeiros dias de trabalho, devido ao acúmulo de neve causado por uma onda de frio na costa leste dos EUA.

A botânica, que é uma das maiores especialistas do mundo em plantas da família Bignoniaceae (que incluem os famosos ipês), já havia se mudado para os Estados Unidos há menos de dois anos, quando foi convidada para ser curadora do herbário da Universidade da Califórnia em Berkeley. Para tal, ela se licenciou do cargo de professora da universidade paulista –fato que agora se repete, com um novo pedido de licença por mais dois anos.

“Não tive como recusar, porque o jardim [do Missouri] tem um histórico de 165 anos, trabalhando em quase cem países, além de todos os programas de pesquisa e educação local”, afirma.

Apaixonada pela natureza desde criança, gosto que cultivou no sítio do avô em São Roque (SP), ela conta que decidiu a profissão aos 16 anos, quando fez uma viagem com uma ONG para a amazônia e se encantou pela profissão.

“Eu sempre gostei de planta, mas não imaginava que poderia ter uma carreira como botânica. Até que eu fiz uma viagem e descobri a taxonomia [ciência que descreve novas espécies] e decidi o que queria fazer”, diz.

Na graduação de ciências biológicas na USP, realizou diversos estágios onde já se envolvia com a pesquisa e coleta de plantas, seguido por um período de oito anos cursando mestrado, doutorado e pós-doutorado justamente no Jardim Botânico do Missouri, até passar em um concurso para ser professora do departamento de botânica do Instituto de Biociências da USP.

De lá para cá, expandiu a coleção de exemplares no herbário da instituição e descreveu dezenas de novas espécies, muitas vezes após passar longos períodos de expedição científica, em um barco, apenas com um mateiro (profissional que é guia na floresta). Em uma dessas expedições, no começo da carreira, chegou a quebrar seis costelas, mas isso não a desanimou.

“Naquela época, não tínhamos muitos exemplares nas coleções nacionais. Produzimos o primeiro guia de plantas da amazônia, da Reserva Duke [no Amazonas], com diversas espécies ainda inéditas, e aí eu vim para o Missouri para fazer esse trabalho de identificação, que era uma coleção de referência”, diz.

O herbário do Instituto de Biociências da USP tem hoje em torno de 300 mil exsicatas, nome dado aos exemplares preservados nas coleções científicas, contra 8 milhões no jardim americano.

“Por isso, para mim manter esse vínculo com a universidade é crítico, para que a gente possa criar realmente uma visão coletiva e trabalhar com conservação em todas as instituições parceiras”, ressalta.

No início da graduação, diz, as pessoas a chamavam de louca por falar em preservação do meio ambiente e mudança climática, visão que mudou recentemente, quando mais segmentos da sociedade, incluindo o setor privado, passaram a enxergar a importância do equilíbrio ecológico e da sustentabilidade.

“Essa conexão hoje é crítica, porque temos muitos recursos vindo desse setor, que possui uma visão de longo prazo sobre o que podemos fazer, em conjunto, para levar esse conhecimento [científico] e encontrar soluções para conseguir, realmente, florescer juntos”, avalia.

Outra mudança de paradigma que enxerga hoje é a importância da inclusão dos saberes dos povos originários nos estudos de biodiversidade.

“Acho que no passado tinha uma visão um pouco utilitária, de querer encontrar soluções que seriam boas para eles, mas sem escutar as comunidades indígenas. Hoje não, está mais do que provado que eles são parte das florestas e precisam participar como cocriadores”, afirma.

“Acho que até por ser uma minoria em um cargo de destaque, para mim, a diversidade é um aspecto chave, e estou muito feliz com os últimos avanços em relação à inclusão do aspecto social na biologia da conservação”, completa.

Sobre o papel dos jardins botânicos, Lohmann menciona os incêndios recentes na Califórnia, além das enchentes em parte da Espanha e, claro, no Rio Grande do Sul, para lembrar da importância desses locais como guardiões de sementes e verdadeiros “horticultores” da biodiversidade.

“Inicialmente, os jardins vêm com esse papel de serem lugares de lazer, de admiração e, até mesmo, de cura, por estarem próximos com a natureza, mas ao longo do tempo vimos esse papel evoluindo. Hoje, muitos têm um papel fundamental na conservação, com foco em soluções para diversos problemas ambientais, além de serem instituições de pesquisa e educação de altíssima qualidade”, diz.

Segundo ela, o novo cargo trará menos tempo para dedicação exclusiva à pesquisa, mas espera poder colaborar com instituições, organizações civis e parceiros de diversos países, incluindo os emergentes, para alcançar a missão do jardim. “A pesquisa, o conhecimento compartilhado, a criação de políticas de conservação e, por fim, tornar a vida em sociedade mais rica”, resume.

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