Completam-se nesta segunda-feira (17) dez anos da mudança constitucional que tornou impositiva a execução de emendas parlamentares individuais ao Orçamento —e abriu uma caixa de Pandora que hoje compromete a qualidade do gasto público e as relações entre os Poderes republicanos.
Saudada na época como um mecanismo democrático para fortalecer o Legislativo, a aprovação da regra foi consequência do enfraquecimento político da então presidente Dilma Rousseff (PT), que acabaria sofrendo um processo de impeachment.
Desde então, as emendas, instrumento pelo qual deputados e senadores direcionam recursos federais, cresceram exponencialmente em volume e influência, reduzindo a capacidade de alocação por parte do Executivo.
Em 2019, o Congresso Nacional determinou que as emendas de bancadas estaduais também seriam impositivas. Instituíram-se ainda as chamadas emendas individuais Pix, que reduziram drasticamente a transparência da execução orçamentária.
Elas permitiram aos congressistas direcionar dinheiro do contribuinte diretamente ao caixa de prefeituras e governos estaduais, sem ao menos indicar a finalidade do gasto. Por causa disso, como noticiou a Folha, é desconhecido o destino de 12% dos investimentos da União nos últimos dois anos, ou R$ 14,3 bilhões.
Outra alteração importante —e nefasta— nas normas foi a ampliação do montante destinado obrigatoriamente às emendas individuais, que passou de 1,2% para 2% da receita corrente líquida da administração federal.
O impacto das mudanças no decênio impressiona. De 2014 para este ano, os gastos determinados por parlamentares saltaram de R$ 11,1 bilhões para R$ 49,2 bilhões, em valores corrigidos.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assim como o de Jair Bolsonaro (PL), reúne parcas condições políticas de conter o apropriação pelo Congresso de vastos recursos do Orçamento. A reação tem cabido principalmente ao STF, que tenta ao menos impor protocolos de transparência na apresentação e na execução das emendas.
Deputados e senadores, no entanto, resistem. Em 2024, votaram uma lei complementar que, embora tenha trazido alguma melhora nos processos, esteve longe de atender às exigências da corte. Já na semana passada, aprovou-se projeto de resolução que também mantém lacunas, como a ausência de identificação individual dos autores de emendas de comissão.
Persistem, assim, anomalias quantitativas e qualitativas. Nas principais economias, não há registro de tamanha ingerência direta de legisladores nos recursos públicos —e ela se dá em mero benefício de redutos eleitorais, sem critérios de prioridade.
É urgente, pois, interromper, disciplinar e, tanto quanto possível, reverter o avanço do Congresso sobre um Orçamento público já amplamente deficitário.