A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) lançou a consulta pública 144/24 sobre o rastreamento (check-up) para câncer de mama com a proposta de realização de mamografias dos 50 aos 69 anos com intervalo de dois anos. Aqui, um parêntese: a consulta versa sobre campanhas de massa, e não sobre a prescrição, a juízo médico, da mamografia. Divulgaram-se duas posições discordantes: uma a favor, do Instituto Nacional do Câncer, e outra de um colegiado de entidades médicas com interesse na realização do exame. Fato nada extraordinário.
O excepcional veio de uma onda iniciada em redes sociais por influencers e com vídeo de jornalista afirmando que “Lula quer matar mulheres de câncer de mama”. Em seguida, em portal de grande circulação, especulou-se que o caso da mamografia seria uma nova onda como a do “imposto do Pix”, o que seria um desgaste político para o governo federal. Aqui não se discutirá mamografia, mas como é possível reduzir a carga do câncer, não somente o de mama, entre as mulheres.
Dos 661.884 óbitos em mulheres em 2024, 28% foram por doenças cardiovasculares (a primeira causa) e 19% por câncer (segunda causa). Entre as 123.977 mortes femininas por câncer, 16,7% são de causas ligadas ao tabagismo (vias respiratórias), 16,3% por câncer de mama, 9,8% por câncer de intestino e 5,8% no colo de uterino. Indaga-se, então, porque o câncer de mama tem cor e mês do ano, mas o do colo de útero não merece menção na mídia e nas redes sociais.
Os dados de mortalidade no país mostram que na região Norte do país, a mais pobre, há mais mortes por câncer de colo do útero do que por em comparação ao restante do país. Em São Paulo, para cada morte por câncer de colo de útero, há quatro por câncer de mama —em contraste com Amazonas e Pará, onde a relação é de 1 para 1.
A questão cor da pele/raça mostra diferenças. Em mulheres brancas, para cada quatro mortes por câncer de mama há uma por câncer de colo uterino. Essa relação se reduz (ou seja, aumenta a proporção de câncer uterino) para 3:1 (negras), 2:1 (pardas) e de 1:1 (indígenas).
Ao contrário do que se apregoa, a mamografia não é uma vacina para o câncer de mama. Contudo, é possível prevenir o câncer de colo uterino por vacina porque ele é causado pelo papilomavírus humano. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) recomenda dose única para meninos e meninas de 9 a 14 anos e três doses para imunodeprimidos e vítimas de violência sexual. Lembrando que a vacinação para meninos prevenirá não somente a transmissão sexual futura, como o câncer de pênis.
A vacina do Instituto Butantan é disponível em todas as unidades básicas de saúde. Além da prevenção, a detecção precoce do câncer de colo uterino é mais acurada, barata e sem risco se comparada à mamografia. Pode ser feita pelo exame papanicolau ou com o autoexame para pesquisa do papilomavírus.
No caso de lesão pré-cancerosa, a intervenção cirúrgica é simples e, nos casos de câncer, a letalidade após o tratamento é muito baixa.
Por essas razões, a Organização Mundial da Saúde propõe que, em 2030, 90% das meninas estejam vacinadas aos 15 anos de idade; 70% das mulheres sejam rastreadas com um teste de alta qualidade aos 35 anos e, novamente, aos 45; e que 90% das mulheres diagnosticadas com câncer de colo de útero estejam em tratamento. Isso é possível porque na Escócia, com vacinação desde 2008, meninas com idades entre 9 e 14 anos imunizadas não registraram nenhum caso de câncer uterino de 2023 para cá.
O que merece muito destaque na sociedade é que a vacina para o papilomavírus foi e continua sendo alvo frequente de radicais antivacinas, com as alegações mais bizarras. O fato é que os estados brasileiros com menor cobertura da vacina são os da região Norte e, no restante do país, na população mais pobre.
Concluiria que o SUS, em todas as suas esferas de governo, deveria concentrar esforços para praticamente eliminar o câncer de colo uterino seguindo as metas da OMS. Ao mesmo tempo, celebridades, colunistas e influencers preocupadas com o câncer de mama poderiam utilizar sua popularidade para desmitificar as notícias falsas sobre a vacina para o papilomavírus e incentivar a realização de exames de diagnósticos precoces.
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