Sara era uma criança alegre, que gostava de brincar com os irmãos e de frequentar a escola na comunidade indígena onde nasceu, no interior do Amazonas. A rotina da menina da etnia Baré e de sua família mudou em abril de 2024, quando, logo após completar sete anos, ela passou a se queixar de incômodo no olho esquerdo.
“Um dia, a Sara chegou da aula coçando o olho e pediu para eu ver se tinha alguma coisa. Não vi nada de errado, mas ela começou a lacrimejar muito. Com o tempo, o olho foi ficando branco”, conta a mãe, Valcimara dos Santos Tavares, 30.
A perda gradual da visão fez com que Sara tivesse dificuldades para ler, escrever e enxergar a lousa na escola. Além disso, precisava de ajuda para tomar banho e se alimentar. Com o equilíbrio prejudicado, também deixou de interagir com outras crianças, já que se machucava nas brincadeiras.
Meses se passaram até que a menina, diagnosticada com catarata traumática (provocada por lesão), fosse operada pela EDS (Expedicionários da Saúde), ONG que leva atendimento médico e cirúrgico a regiões isoladas da Amazônia.
“Antes do diagnóstico, eu achava que poderia ser uma doença sem cura. Como mãe, fiquei desesperada. Ela chorava o tempo todo, e eu não podia fazer nada”, diz a amazonense, que parou de trabalhar como agricultora para cuidar da filha.
Em janeiro deste ano, Sara foi convidada a subir ao palco de uma premiação de sustentabilidade em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, depois que a equipe do concurso conheceu sua história durante passagem pelo Brasil para filmar o trabalho da EDS.
Em conversa com a Folha em seu retorno ao Brasil, Valcimara conta como foi a jornada que teve início com a descoberta do problema de saúde da filha e resultou em uma viagem internacional que nunca imaginou fazer.
“Praticamente do dia para a noite, minha filha começou a perder a visão do olho esquerdo. Uma mancha branca surgiu, cobrindo apenas metade, no início, e, depois, o olho inteiro.
Quando ela contou que não enxergava mais, me desesperei. Pegava na mão dela, colocava ela no meu colo, tentando acalmá-la, mas ela só chorava. Antes disso, minha filha era uma criança animada.
Até conseguirmos a cirurgia, ela ficava triste o tempo todo: chorava porque queria sair de casa, brincar, correr, fazer o mesmo que os irmãos faziam, mas não conseguia, porque caía e se machucava.
Na escola, os professores falavam que ela não dava conta de escrever na lousa o que eles pediam, nem de enxergar o que estava escrito, mesmo se sentando na primeira fileira. Ela ficou dois meses sem ir à aula.
Sentia que um furacão tinha passado em nossas vidas. Ela não entendia por que não podia fazer as coisas que costumava fazer sozinha, como tomar banho e comer, e me perguntava, assustada: ‘Mãe, não estou conseguindo. Por que não consigo?’.
Eu sempre ajudava, depois me sentava com ela e tentava explicar que ela estava com um problema na visão. Ninguém da família teve catarata antes, então não entendíamos bem o que era aquilo.
Assim que o problema apareceu, pedi ajuda a uma enfermeira que mora na mesma comunidade. Conseguimos marcar uma consulta em Manaus.
Para chegar lá, pegamos uma rabeta [canoa com um pequeno motor] até o município de Barcelos e, em seguida, um barco para a capital. A viagem durou mais de 12 horas.
Sara foi colocada em uma fila de espera para fazer os exames de que precisava. Poderia levar de três a quatro anos para que ela fosse operada.
Mas, em novembro daquele mesmo ano [2024], a EDS fez uma expedição na região, e levamos ela para se consultar. Foi uma grande surpresa quando, naquele mesmo dia, disseram que iam fazem a cirurgia.
No dia seguinte, já tiramos o tampão [que protegia o olho após o procedimento], e a Sara voltou a enxergar. Vi a alegria voltar para o rosto de minha filha. Um sentimento que tinha desaparecido da vida dela.
Nestes últimos meses, vivemos coisas que nunca imaginamos. O rei [o emir Mohammed bin Zayed Al Nahyan, monarca absoluto dos Emirados Árabes Unidos] soube da história da Sara e a convidou para participar de uma cerimônia [do Prêmio Zayed de Sustentabilidade], em Abu Dhabi.
Em menos de um mês, providenciamos os passaportes, burocracias e todos os preparativos para a viagem, com a ajuda da EDS.
No dia do evento, ela subiu ao palco, junto com uma moça que contou à plateia a história dela. Foi uma honra ter alguém ali representando a gente da floresta. A Sara até pegou na mão do rei.
Agora que voltamos para o Brasil, ela está animada para contar para todo mundo o que viu fora do país.
Ela está de férias, mas logo vai voltar para a escola. Meu sonho para meus seis filhos é que eles estudem.
Antes, passava noites em claro pensando em como seria o futuro da Sara sem a visão. Hoje, tenho esperança de que ela vai poder fazer o que quiser na vida. Minha filha renasceu.”