18 mar 2025, ter

Comércio com a Índia chegava à África do Sul nos anos 1000 – 03/02/2025 – Ciência

Cerca de cinco séculos antes que Vasco da Gama contornasse o cabo da Boa Esperança em busca das Índias, o comércio no oceano Índico já estava levando vasos refinados para o interior da atual África do Sul, mostra um novo estudo.

A grande pista sobre o funcionamento desse comércio de longa distância, muito anterior à chegada dos europeus, é a presença de fragmentos de cerâmica esmaltada, de cor azul-esverdeada ou turquesa por dentro e por fora, achados na região do rio Letaba, perto da fronteira sul-africana com Moçambique. O local fica a cerca de 400 km da costa do Índico.

Análises publicadas no último dia 27 no periódico científico PNAS revelam que a cerâmica foi fabricada no golfo Pérsico, provavelmente no sul do atual Iraque, nas cercanias de Basra. Tudo indica que os vasos foram fabricados entre os séculos 9º d.C. e 10º d.C., afirma a equipe de cientistas que assina o estudo, coordenada por Alexander Antonites, da Universidade de Pretória.

Hoje, a área de Letaba faz parte do Parque Nacional Kruger, uma das mais importantes áreas de conservação do país. No primeiro milênio depois de Cristo, porém, havia ali um grande assentamento, designado pela sigla Le6. Depois de escavações iniciais feitas nos anos 1970 e 1980, o lugar voltou a ser estudado em 2021.

As datações feitas pela técnica do carbono-14 com ossos de animais e outros tipos de matéria orgânica encontrados ali indicam uma idade entre os anos de 887 e 966 do nosso calendário, correspondendo à Era Viking em termos europeus.

Já se sabe há tempos que o comércio marítimo de longa distância foi muito importante para a África Oriental durante a Idade Média. Navios do Oriente Médio, da Índia e até da China e do Sudeste Asiático usavam a regularidade do regime dos ventos para viajar rumo ao território africano com relativa facilidade.

As naus dessas regiões traziam produtos manufaturados, como cerâmica e contas de vidro para a fabricação de adornos, os quais podiam ser trocados por marfim, ouro e escravos. As interações comerciais levaram ao fortalecimento das cidades costeiras africanas e ao avanço das conversões ao Islã, religião dos visitantes persas e árabes. Alguns se casaram com mulheres africanas, dando origem a dinastias, fato comprovado por análises de DNA.

Além disso, o comércio também estimulou o surgimento de reinos poderosos mais para o interior, cujos senhores controlavam justamente o fluxo de marfim e ouro, culminando com a construção de cidadelas de pedra como o Grande Zimbábue, no atual país de mesmo nome, por volta do ano de 1200.

A nova descoberta em território sul-africano é importante porque antecede boa parte desse estímulo ao comércio e à complexidade política e social no interior da região. Exemplos parecidos em outros locais costumam incluir apenas contas de colar feitas de vidro, mais fáceis de transportar e provavelmente mais baratas do que a cerâmica iraquiana.

Para os autores do novo estudo, a posição de Letaba na geografia sul-africana sugere que o comércio transoceânico alcançou os habitantes da região a partir da atual cidade de Xai-Xai, em Moçambique. É onde deságua o principal rio dessa parte da África, o Limpopo. Subindo o Limpopo, o comércio vindo da costa poderia chegar ao rio Letapa, que é afluente dele.

Segundo os pesquisadores, sítios como o Le6 podem ajudar a documentar as primeiras fases do surgimento dos grandes reinos africanos na região.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *