21 mar 2025, sex

Como a ecologia deu à luz a estatística – 20/03/2025 – Ciência Fundamental

A estatística é a ciência da coleta, análise e interpretação de dados. Se bem usada, ela permite que tiremos conclusões mais seguras sobre o mundo. Para isso, ela depende da matemática. O que poucos sabem é que a estatística como a conhecemos não nasceu de um exercício puramente matemático, mas da tentativa de entender uma questão concreta, uma das maiores da história da ciência: a evolução da vida.

No século XIX, naturalistas tentavam explicar por que havia tantas espécies de organismos na Terra, sobretudo nos trópicos; e por que elas pareciam tão adaptadas a seu ambiente, como se criadas para viver nele. Em 1858, os naturalistas ingleses Charles Darwin e Alfred Wallace sugeriram que a resposta estaria na seleção natural: o efeito de características dos indivíduos para sua sobrevivência. Por exemplo, um animal pode se camuflar melhor se for da mesma cor do ambiente. Se características úteis à sobrevivência forem herdadas, então elas ficarão cada vez mais comuns na população (evolução por seleção natural, ou adaptação). Além disso, ambientes diferentes favorecerão características diferentes, criando espécies diferentes (especiação).

Empolgado com a ideia, em 1866, o naturalista alemão Ernest Haeckel propôs uma nova ciência, que revelaria como a interação entre organismos e seu ambiente ou “casa” cria adaptação. Ele a chamou de Ökologie ou “ecologia”, do grego oikos (“casa”) e logos (“estudo”). Porém, muitos naturalistas permaneceram céticos quanto aos poderes da seleção: Darwin e Wallace inferiram que ela deveria causar adaptação, mas nunca mostraram isso ocorrendo.

Isto inspirou um primo de Darwin a estudar o tema mais a fundo: Francis Galton. Curiso por saber se as características são herdáveis, em 1886 ele mediu a herança da altura humana graficamente. E notou que pais mais altos tendiam a ter filhos mais altos, porém mais baixos que seus genitores; e pais mais baixos, filhos mais baixos, porém mais altos que seus genitores. Assim, alturas extremas pareciam ser puxadas de volta para alturas intermediárias, o que Galton chamou de “regressão”.

Nos anos 1890, a obra de Galton atraiu dois novos aliados: o zoólogo Raphael Weldon e o matemático Karl Pearson, e o trio trabalhou em colaboração pelo resto de suas vidas: de 1894 a 1917, Pearson publicou várias “Contribuições Matemáticas à Teoria da Evolução”, refinando e ampliando as ideias de Galton e Weldon, enquanto este se encarregou de demonstrar a validade da teoria na prática.

Weldon trabalhava na baía de Plymouth, cujas águas cada vez mais poluídas pelo esgoto o fizeram supor que a poluição poderia selecionar os animais. Depois de medir centenas de caranguejos-verdes (Carcinus maenas) na baía de 1893 a 1898, ele descobriu que aqueles com uma carapaça mais estreita estavam ficando mais frequentes. Como eles só viviam até dois anos, isso indicava uma mudança entre gerações –ou seja, evolução.

Para testar se isso se devia à poluição, Weldon mediu a sobrevivência dos caranguejos em um tanque com água cheia de sedimentos, igual à da baía, e constatou que os sobreviventes tinham a carapaça mais estreita, como os que estavam proliferando em Plymouth. Seus achados foram publicados em 1898: a primeira demonstração de como a interação entre organismo e ambiente causa adaptação –o objetivo original da ecologia.

O sucesso de Weldon, Pearson e Galton atesta o poder do trabalho em equipe. Em 1901, eles criaram a Biometrika, uma das primeiras revistas de métodos quantitativos, responsável por apelidá-los “biometristas”. Hoje, porém, também poderíamos dizer: ecólogos. Em 1911, Pearson criou o primeiro Departamento de Estatística do mundo, e hoje é lembrado como o “pai da estatística”. Graças a esses pioneiros, a mensuração de relações entre variáveis com uma linha de tendência é chamada “regressão”. E foi assim que a ecologia deu à luz a estatística como a conhecemos.


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Pedro Pequeno é biólogo, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia: Sínteses da Biodiversidade Amazônica, e professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Universidade Federal de Roraima.

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