A recente preocupação com a saúde do papa Francisco deixou católicos e admiradores ao redor do mundo apreensivos. Mas sua recuperação permitiu que ele celebrasse um marco importante: 12 anos de pontificado. Trazemos a você um olhar sobre esses anos a partir da Argentina.
Quando Jorge Bergoglio saiu de Buenos Aires rumo ao Vaticano, em março de 2013, talvez não imaginasse que nunca mais voltaria a pisar em sua cidade, nem como visitante. Depois de várias rodadas de votação para escolher o substituto de Bento 16, a fumaça branca anunciou a escolha do primeiro papa latino-americano.
Na Argentina, a notícia causou surpresa e entusiasmo. Muitos argentinos sentiram aquilo como uma conquista coletiva. Nos dias seguintes, escolas deram folga, missas foram celebradas, e a imagem do novo pontífice estampava camisetas, cartazes e medalhinhas.
Mas nem tudo foi festa. Como arcebispo de Buenos Aires, Francisco teve uma relação complicada com os governos de Néstor e Cristina Kirchner, especialmente por sua oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Assim, a notícia da escolha do papa argentino foi recebida com certo ceticismo pelo governo.
Para amenizar tensões, o papa fez questão de receber Cristina Kirchner como sua primeira visita oficial. Ao longo dos anos, os dois se encontraram diversas vezes, principalmente após a morte de Néstor, e foram aparando arestas. Esse gesto, porém, gerou críticas dentro da Argentina, especialmente de setores mais conservadores, que viam nisso uma aproximação excessiva com o governo e suas posições mais progressistas.
Com o tempo, a euforia inicial deu lugar a um apoio mais moderado. E uma grande dúvida passou a incomodar os argentinos: por que o papa não voltava ao país? Durante esses 12 anos, Francisco visitou praticamente toda a América Latina, incluindo o Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, mas nunca pisou novamente na Argentina.
Isso não impediu milhares de fiéis de viajarem para países vizinhos para vê-lo, mas a sua ausência em solo argentino sempre deixou um gosto amargo especialmente entre grupos progressistas católicos. As críticas dos setores conservadores geraram uma divisão sobre a sua figura que pode ser uma das razões que desmotivaram a sua visita.
Desde o início, Francisco colocou no centro de seu pontificado a chamada “Teologia do Povo”, que, sem radicalizar como a Teologia da Libertação, busca abrir a igreja para todos, com especial atenção aos mais pobres e vulneráveis.
Sua preocupação também se estendeu às questões ambientais, ao diálogo inter-religioso e às minorias sexuais, promovendo espaços mais inclusivos. Apostou no Sínodo como um caminho para maior horizontalidade na igreja, embora ainda enfrentando os desafios de uma instituição essencialmente hierárquica.
Esse posicionamento tornou Francisco uma referência mundial, indo além dos muros da igreja. No entanto, também gerou antipatias de ambos os lados: progressistas o veem como moderado demais, enquanto conservadores o consideram quase um herege por sua postura aberta.
Na Argentina, essas leituras também foram diversas. Francisco conquistou forte apoio dos movimentos sociais, nomeando bispos alinhados com essa visão. Mas cada gesto seu foi escrutinado, especialmente quando recebia líderes políticos.
Sua crítica ao capitalismo desenfreado e seu vínculo histórico com o peronismo geraram desconfiança em alguns setores. Por outro lado, sua postura firme contra casos de pedofilia dentro da igreja foi amplamente reconhecida, defendendo que a justiça civil tratasse dos culpados.
O debate sobre seu papel durante a ditadura militar também veio à tona nesses anos, mas evidências mostram que ele ajudou a proteger perseguidos. Sob sua orientação, arquivos foram desclassificados tanto na Argentina quanto no Vaticano, permitindo uma revisão histórica mais profunda, publicada pela Universidad Católica Argentina (La verdad los hará libres, Ed. Planeta).
Assim, os 12 anos do papa Francisco são um capítulo complexo na história argentina. Entre apoios e resistências, ele se manteve fiel à sua missão de aproximar a igreja dos mais necessitados e dar voz a quem não tem. Em um mundo cada vez mais polarizado e violento, seu pontificado segue sendo um sopro de esperança para muitos.