17 mar 2025, seg

Como evangélica, afirmo a Baby: perdoar não é esquecer – 16/03/2025 – Cotidiano

O mundo evangélico soube semana passada que, em um culto, a cantora Baby do Brasil pediu às vítimas presentes de abuso sexual que perdoassem seus abusadores, inclusive se fossem da mesma família.

Tenho algo a dizer sobre esse tema por ser teóloga evangélica, por ter sido vítima de abuso e por ter me tornado uma voz atuante entre evangélicos no debate sobre esse tipo de violência: perdoar não é esquecer.

Mas vamos por partes. A fala de Baby do Brasil foi mal recebida por uma deputada federal do PSOL de São Paulo, Sâmia Bomfim, que recorreu ao Ministério Público para investigação.

Como hoje, além de cantora, Baby é uma autoridade religiosa, Bomfim afirma que sua influência “pode levar pessoas —especialmente vítimas vulneráveis— a deixarem de denunciar ou até mesmo a encobrir abusos”. Concordo.

De fato, “perdoe e esqueça” é uma frase utilizada como arma na mão de líderes inescrupulosos. Mas será que não seria exagero a denúncia ao Ministério Público? Essa foi a discussão que se seguiu na nossa bolha.

O tema do perdão é central na nossa fé. Jesus morreu por nossos pecados para nos salvar da condenação eterna. Quem confessa seus pecados com sinceridade e deseja mudar de vida é agraciado por Deus, e essa é a grande beleza do evangelho —qualquer pessoa pode começar de novo e ter vida nova, como se tivesse nascido outra vez (João 3.3).

É por causa desse perdão irrestrito que nós, cristãos, devemos perdoar a todo aquele que peca contra nós, pois somos chamados a refletir para nossos semelhantes a bondade divina. Encontramos na Bíblia essa ênfase, por exemplo, no Pai Nosso e na parábola do credor incompassivo (Mateus 18.23-35).

Porém, além da necessidade de perdoar, dois pontos são igualmente importantes. Primeiro, o pecador compungido é instado a atos de reparação. Zaqueu propôs: “Se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais!”, e Jesus o elogiou: “Hoje houve salvação nesta casa!” (Lucas 19.8-9).

Segundo, e quando o pecado também for um crime? Diante de Deus, o criminoso arrependido é perdoado do mesmo jeito, mas deve estar pronto para responsabilizar-se diante das leis.

É nesse sentido que o apóstolo Paulo faz à igreja em Roma uma dura advertência: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus […] É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13.1,4).

Em casos específicos de autoridade injusta, como leis excessivas em governos totalitários e ordens humanas para pecar, é possível encontrar respaldo teológico para desobedecer.

Porém, quanto a crimes (prática de certos males reconhecidos pela sociedade), a argumentação do apóstolo Paulo é clara: diante da autoridade instituída —que o apóstolo reconhecia na lei romana e hoje reconhecemos nas leis modernas— , devemos obedecer não somente por temor de punição, mas também por dever de consciência, pois Deus está por trás dela; é sua “serva”.

Em vez de substituir a denúncia, que pertence ao campo jurídico, o perdão é próprio ao campo espiritual; pertencem a esferas diferentes e por isso coexistem. Em caso de crime —violência doméstica, assédio em local de trabalho, estupro, racismo etc—, o líder religioso que aconselha a somente perdoar está pecando.

De que modos? O líder que só aconselha perdão diante de crime desobedece a autoridade que Deus constituiu e fomenta uma cultura de impunidade no ambiente religioso.

Esse tipo de atitude é um verdadeiro chamariz para o que a Bíblia chama de lobos: pessoas mal-intencionadas que se aproveitam dessa brecha para cometer abuso sexual, espiritual, psicológico e financeiro, com grande dano para todos nós —pois quando um sofre, todo o corpo de Cristo, que é a igreja, sofre junto (1Coríntios 12.26).

E quanto a Baby do Brasil? Ela deixou claro nas redes que sua fala veio de um ambiente de fé, orientado para a cura interior, mas nada tinha a ver com a impunidade.

Era um clamor para a alma, não para a lei. Diante dessa diferença de expectativa, creio que o ideal é que o abismo entre os dois públicos —o que enxerga o pecado e o que enxerga o crime— fosse preenchido não com criminalização à fala de Baby, mas sim com debate e informação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *