19 mar 2025, qua

Como vai a Europa pagar por sua própria defesa? – 18/03/2025 – Rui Tavares

A opinião convencional dominante nos dias que correm parece ser que a Europa deixou de cuidar da sua defesa após a Segunda Guerra Mundial, delegando essa função aos Estados Unidos e praticamente não gastando dinheiro em armamento. A mesma opinião sustenta agora que a Europa ficou desorientada perante a guinada geopolítica de Donald Trump e que não terá chance de defender-se perante Vladimir Putin.

Essa opinião convencional está errada.

A Europa nunca gastou propriamente pouco em defesa. O Reino Unido e a França são potências nucleares, e os gastos acumulados dos países-membros da União Europeia foram no ano passado bem superiores a € 300 bilhões, não tão longe da Rússia e da China.

A questão na Europa nunca foi gastar pouco em defesa, mas antes gastar sem visão de conjunto e comprando grande parte do seu material dos EUA. É isso que vai mudar agora. Trump conseguiu quebrar os laços de confiança entre europeus e americanos e com isso deu um novo foco estratégico à Europa, e em particular à UE.

A União Europeia irá com toda a probabilidade avançar para a compra conjunta de armamento, repetindo o mecanismo que provou ser um grande sucesso com a compra de vacinas pelo bloco, assegurando ganhos de escala e baixando custos. E o material será produzido na Europa, para ajudar na reindustrialização do continente e para evitar a utilização de caríssimo armamento dos EUA (como os famosos caças F-35) que se suspeita que possa ser desativado à distância.

Além disso, há países-membros da UE que têm capacidade para gastar mais, e o caso mais relevante agora é o da Alemanha, que já aprovou alterações à sua legislação para possibilitar mais gastos em defesa.

Mesmo assim, há investimentos iniciais que precisarão de somas mais avultadas nos primeiros anos. Têm feito debate aqui no continente as declarações do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, que sugeriu que os europeus deveriam ter de prescindir do seu estado social para investir na defesa.

Isso seria um fatal erro estratégico. Não se salva a Europa destruindo o modelo social europeu. Em vez disso, a Europa tem outras opções.

A União Europeia pode lançar os chamados eurobonds, títulos de dívida emitidos em nome da União como um todo, não dos seus Estados-membros. A dívida da UE, bem como o seu orçamento, representa pouco mais de 1% do PIB da União. Há espaço mais do que suficiente para emitir dívida, há interesse dos mercados globais em comprá-la, e o momento é o mais oportuno, num momento em que Trump lança a economia dos EUA na turbulência e os investidores procuram outros portos seguros.

Em segundo lugar, a União Europeia (ou apenas os Estados que o desejarem) pode lançar um imposto comum de apenas 2% sobre fortunas acima de € 1 milhão. Nos cálculos do economista Gabriel Zucmán, isso daria mais de € 60 bilhões por ano.

Em terceiro lugar, há € 300 bilhões em ativos russos congelados, que podem ser confiscados e usados na reconstrução da Ucrânia.

O problema da Europa nunca foi de falta de recursos, mas de falta de vontade política. Quando é para sobreviver, a vontade política aparece.


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