Quase 40% da água tratada no Brasil é perdida antes de chegar às residências, devido a problemas como vazamentos e falhas nos hidrômetros, segundo estudo do Instituto Trata Brasil. O dado alarmante motiva a atuação da Stattus4, startup que usa IA e sensores para detectar problemas na rede de distribuição.
A empresa desenvolve duas tecnologias: um sistema móvel que analisa ruídos de hidrômetros e sensores que medem variações de pressão para identificar vazamentos.
“Os sensores ‘ouvem’ a vibração da tubulação para avaliar se há anomalia. Quando esse é o caso, a água faz o encanamento vibrar de uma forma diferente, então conseguimos classificar um potencial de vazamento”, explica Marília Lara, CEO do negócio criado no interior paulista, em 2015.
“A água é finita, e uma gestão eficiente é extremamente importante para trazer resiliência às cidades. Se economizássemos 20% do que perdemos, já teríamos o suficiente para abastecer os 35 milhões de brasileiros que não têm acesso a água potável.”
Em parceria com companhias de saneamento como a Sanepar, no Paraná, e a Copasa, em Minas Gerais, a Stattus4 está presente em 250 cidades e já economizou mais de 250 milhões de litros, após auditar 6 milhões de hidrômetros.
Evitar desperdícios é também preocupação na indústria. Exemplo disso é o projeto Nanobolhas, do Sistema Coca-Cola Brasil com a startup chilena Kran Nanobubbles, iniciado em 2013 em duas fábricas no Chile. A iniciativa agora se expande para o Brasil em fábricas da companhia no Nordeste.
“Esta tecnologia permite reduzir de 17% a 40% o uso de água em processos industriais, como a lavagem de equipamentos e a limpeza de garrafas retornáveis. Já a redução observada do consumo de energia foi de 29% nos pilotos”, explica Catalina Pfenniger, diretora de estratégia da startup.
Além de promover o uso eficiente de água, há iniciativas que se dedicam ao desenvolvimento de alternativas de tratamento. Essa é a proposta do Xprize Water Scarcity, competição global com duração de cinco anos e prêmio no valor de US$ 119 milhões, que estimula a criação de sistemas de dessalinização da água do mar.
Um caminho possível para lidar com a falta de acesso à água potável, problema que hoje afeta 2 bilhões de pessoas —cerca de 26% da população mundial— e pode chegar a 2,4 bilhões até 2050, segundo a Unesco.
Na premiação promovida pela Fundação XPrize, organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos, haverá vencedores em duas categorias. Em “Desalinação: Inovação em Sistema”, será reconhecida a solução que gerar 1 milhão de litros de água potável por dia de forma sustentável, com o menor custo possível e garantindo acessibilidade global por um ano na fase final.
Já em “Desalinação: Novos Materiais e Métodos”, levará o troféu a inovação com vida útil operacional de dez anos ou mais capaz de tratar a água do mar de forma sustentável e econômica.
Podem participar do concurso especialistas, organizações sem fins lucrativos, startups e empresas. É possível se inscrever no site oficial.
Outros projetos atuam diretamente com populações suscetíveis à escassez hídrica, a exemplo da Água Camelo, que oferece acesso em favelas, no semiárido e na Amazônia (incluindo territórios indígenas), por meio de tecnologias como o kit camelo, mochila capaz de filtrar e armazenar 15 litros de água.
Presente em 20 estados, a empresa social já impactou mais de 80 mil vidas. O serviço que oferece a 210 comunidades tem cinco etapas: a primeira é um diagnóstico local e a criação de parcerias para implementar as tecnologias.
A segunda consiste em oficinas de educação sobre água, saneamento e higiene, além de capacitação para uso das soluções. Na fase de implementação, estas são instaladas em pontos estratégicos. Em seguida, durante o monitoramento, são coletados dados sobre seu uso e a percepção da qualidade da água, com ajuda de líderes locais.
Por fim, na etapa de entrega dos resultados, todos os dados sociais, ambientais e de saúde são analisados para avaliar o impacto das tecnologias.
“É uma questão de desenvolvimento pessoal, comunitário e familiar. Se crianças não têm acesso a água, elas ficam doentes e não conseguem estudar. E suas mães não podem trabalhar, porque têm que cuidar dos filhos”, diz João Piedrafita, co-fundador da Água Camelo.
“Estamos falando de melhorar a qualidade de vida e promover desenvolvimento econômico. Dados da ONU mostram que, para cada R$ 1 investido em água, saneamento e higiene, economizamos R$ 4,30 em saúde pública.”
Com olhar para centros urbanos, outra empresa social, a Florescer, instalou, há dois anos, totens de água potável e gratuita em nove terminais de ônibus da capital paulista, em parceria com a Água AMA, da Ambev, e a concessionária SP Terminais Noroeste.
A estimativa é que o projeto alcance 8 milhões de pessoas mensalmente, sendo cerca de 400 mil provenientes de comunidades com abastecimento de água precário.
O número deve crescer para 12 milhões com a nova implantação de máquinas nos terminais rodoviários Barra Funda, Jabaquara e Tietê, que ocorrerá nos dias seguintes ao Dia Mundial da Água.
Ao todo, 16 máquinas estarão nos terminais de ônibus e quatro em favelas da São Paulo.
“Poder levar um recurso tão básico e essencial para nossa população, beneficiando principalmente os mais vulneráveis, é um pequeno passo para chegarmos ao ideal de nossas cidades, que vêm enfrentando ondas de calor cada vez mais longas e severas”, afirma Felipe Gregório, idealizador do projeto e fundador da Florescer.