15 mar 2025, sáb

Escolher o que comprar pode ser uma atitude política – 14/03/2025 – Deborah Bizarria

Recentemente, ganharam destaque os boicotes a Tesla e a outras empresas norte-americanas, sobretudo no Canadá e na Europa. Tais boicotes, segundo noticiou o The Guardian nesta semana, refletem o descontentamento internacional com as políticas do presidente Donald Trump e sua proximidade com Elon Musk. Várias pessoas ao redor do mundo decidiram, de forma espontânea, dizer “não” a produtos feitos nos Estados Unidos como forma de repúdio.

Por que isso importa? A literatura acadêmica identifica os boicotes como instrumentos de pressão social eficientes, capazes de alterar o comportamento de empresas mesmo quando o sucesso final —em termos de mudança de políticas corporativas— não é garantido. O simples anúncio de um boicote já pode provocar queda significativa nos preços das ações das organizações visadas, segundo Pruitt e Friedman. O receio de perder valor de mercado pode, por si só, levar gestores a repensar atitudes que desagradam o público.

Boicotes não se resumem, contudo, aos números da Bolsa. Há um abismo entre as atitudes socialmente responsáveis relatadas pelos consumidores e o que realmente acontece na prática de compra. Esse “gap” é frequentemente fechado quando os consumidores se mobilizam coletivamente, seja para punir uma corporação (boicote) ou para premiá-la por boas práticas (buycott). A dinâmica desse engajamento torna-se mais notável graças às redes sociais, que aceleram a disseminação de informações e estimulam ações conjuntas.

Há quem aponte certo exagero em boicotes, mas vale lembrar que eles partem do cidadão comum, de maneira livre. Quem escolhe boicotar um produto o faz por convicção, ainda que possa ser influenciado por grupos ou mídias. Em contraste, o protecionismo ordenado por governos como os praticados hoje nos EUA e historicamente no Brasil —quando autoridades decidem quais produtos devem receber tarifas extras ou mesmo bloqueios— retira do indivíduo a liberdade de escolha. É uma via de mão única: limita o acesso a itens estrangeiros porque um governante julga preferíveis os produtos locais. Esse cerceamento imposto de cima para baixo se diferencia radicalmente do ato voluntário de não comprar um produto por questões éticas.

No Canadá, multiplicam-se aplicativos que rastreiam a origem de produtos para que as pessoas possam, caso desejem, evitar produtos americanos. Esse movimento, ainda que não seja unânime e possa sofrer críticas, demonstra a capacidade de cada um de escolher —ou não— financiar determinadas práticas empresariais ou políticas públicas.

A voz do consumidor raramente ecoa tanto como quando aparece na forma de ausência de vendas. Embora as motivações para boicotar sejam diversas —moral, política, ambiental—, o efeito comum é ampliar o debate público e fazer a sociedade refletir sobre questões antes vistas como distantes.

Assim, se por um lado a disparada de protestos contra a Tesla e outras empresas americanas indica um momento de polarização e insatisfação generalizada, por outro ressalta o poder de abrir (ou não) a carteira. Podemos divergir sobre o mérito de boicotes específicos, mas não há como negar o simbolismo que eles carregam. Em vez de o governo decidir unilateralmente como devemos gastar nosso dinheiro, cabe ao próprio consumidor pesar seus critérios e apoiar ou recusar conforme o que considera justo.


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