“O novo livro começa na maternidade, em 2014, quando nasceu meu primeiro filho, há 11 anos, e termina em Veneza, na estreia mundial de “Ainda Estou Aqui”, diz o escritor Marcelo Rubens Paiva sobre “O Novo Agora”, continuação do best-seller que deu origem ao filme. Ele será lançado pela Companhia das Letras no mês que vem, com 272 páginas.
Será o terceiro livro de memórias do escritor, que começou sua carreira cedo, aos 20 anos, com “Feliz Ano Velho”, de 1982. Nele, narrava sua vida antes e depois do tal “acidente estúpido” que o fez tetraplégico em dezembro de 1979, quando mergulhou de cabeça de cima de uma pedra em um lago mais raso do que ele imaginava.
“O Novo Agora” conta a saga de um escritor que se torna pai depois dos 50 anos, cadeirante, considerado um inimigo do governo vigente. “Depois veio o segundo filho, uma separação, aí teve a morte da minha mãe, que morava do meu lado e de quem eu era o principal cuidador”, conta o escritor.
“E o bolsonarismo, né? Depois pandemia, isolamento social e eu tendo que cuidar de dois moleques. O livro termina em Veneza. Não chega até o Oscar, mas vai até Veneza”, diz ele, mencionando o Festival de Cinema da cidade italiana do ano passado, onde “Ainda estou Aqui” foi lançado, e a única vez que Marcelo viu o longa-metragem baseado na história de sua mãe.
“Depois de Veneza minha vida mudou”, ele afirma. “O livro foi redescoberto, uma coisa bastante rara na vida de um escritor. As pessoas se apaixonaram pelo livro, depois pelo filme, depois pelos meus outros livros. ‘Feliz Ano Velho’ voltou às listas de mais vendidos, está em falta, ninguém encontra mais nas livrarias”, afirma.
O sucesso do filme abriu as portas de uma carreira internacional de escritor para Marcelo. “Ainda Estou Aqui”, o livro, foi lançado em Portugal, na Itália, nos Estados Unidos e na Inglaterra. “Estou sendo convidado para feiras de livros no mundo inteiro. Semana que vem vou para Roma para uma série de atividades, depois para Paris, aí Espanha e, por fim, Portugal”.
“Agora quero focar nessa possibilidade de fazer uma carreira internacional”, conta. “Eu até parei de participar da divulgação do filme uma hora, cheguei para a produção e disse: ‘Olha, chega. Ou eu falo da minha vida, ou eu falo do filme’. Não fui nem para o Oscar, e não foi por birra, foi simplesmente porque eu acho que quem tem que viver esse filme é a Fernanda, é o Walter, é o Selton”.
O escritor badalado, rico —ganhou mais um zero na conta bancária, revela ele— e famoso, no entanto, tem tido suas maiores alegrias recentes à frente de uma banda incrível e bem esquisitona em que toca gaita e declama letras de grandes hits do pop/rock, em versões em português feitas por ele mesmo.
Batizada de Lost In Translation, a banda de Marcelo empresta o título de um filme de Sofia Coppola, lançado em 2003, e traduzido no Brasil como “Encontros e Desencontros”, com Bill Murray e Scarlett Johanssen. Junto de Marcelo nessa aventura está seu amigo de colégio Fábio França, com quem montou sua primeira banda antes mesmo de entrar na faculdade, nos anos 1970.
França toca guitarra, flauta e canta a maioria das músicas. Na guitarra, violão e bandolim está o sobrinho de Fábio, Arthur França. O baixo é com Rick Villas-Boas, outro amigo de longa data, que chamou seu vizinho para tocar bateria, Luli Villares. Recentemente, a banda passou a incluir também a cantora, compositora e instrumentista Luíza Villa, dona de um vozeirão.
A Lost in Translation vem lotando as casas de shows onde se apresenta, e tem datas de apresentações por várias cidades do Brasil marcadas até agosto. A próxima será no dia 8/4, no Blue Note, em São Paulo, e em seguida, no dia 11/4, no Blue Note do Rio.
Na quarta (12), dez dias depois de o filme baseado em seu livro ganhar o primeiro Oscar brasileiro, Marcelo contou a seguinte história para o público da sua banda, na casa de shows Bona, na Pompeia, em São Paulo.
“Ontem eu tive um ataque de riso no meio de uma entrevista para o Marcelo Tas, apresentador do ‘Provoca’, da TV Cultura”, programa que deve ir ao ar na próxima terça-feira (18), às 22h. “Ele faz umas entrevistas bem sérias, e uma hora me perguntou ‘seu pai era da luta armada?’. Eu podia ter respondido que sim, que a gente fazia trincheiras nas areias do Leblon, mas não pensei nisso na hora, só caí na risada”.
Marcelo nem precisa explicar quem é seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva, preso, torturado e morto em 1971 por agentes da ditadura militar, já que este fato trágico é o pontapé inicial da trama do filme de Walter Salles, um dos maiores sucessos de bilheteria do Brasil.
Ele menciona o longa-metragem algumas vezes durante o show de sua banda, com a calma de quem sabe que fala para uma plateia que conhece sua história, assim como a de sua mãe, Eunice Paiva, protagonista do filme e do livro em que foi baseado.
Eunice também aparece em versões das músicas que a banda apresenta. Marcelo é o líder da Lost in Translation, que apresenta traduções e versões em português de músicas de gente como Bob Dylan, Jim Morrison, Janis Joplin, Lou Reed, Leonard Cohen e Patti Smith, mas também sucessos de Britney Spears e até de Billie Eilish. Tem também os brasileiros Erasmo Carlos e Sérgio Sampaio, “um maldito que merecia uma grande cinebiografia”, diz Paiva no palco.
“A Billie Eilish é maravilhosa”, ele afirma antes da apresentação, em uma entrevista no andar de cima da casa de shows, durante a passagem de som da banda. “Ela é como um meteoro que caiu no mundo fazendo músicas e composições raras de se ver, de tão boas”.
Pergunto como ele conseguiu tempo para montar uma banda no momento em que a vida profissional está mais acelerada do que nunca. “Eu não sabia que nada disso ia acontecer, três anos atrás achei que estava me aposentando. Estava escrevendo meu último livro e decidido a ficar mais com os meus filhos, cuidar da saúde, viajar, estava num mar de tranquilidade”, conta.
“Aí me reconectei com o Fábio, que também estava se aposentando, contei que tinha começado a tocar gaita durante a pandemia e ele falou ‘vamos fazer um som um dia’. Chegou na minha casa e começou a tocar umas músicas que eu adorava e comecei a tocar com ele e a cantar.”
“E aí voltou todo um sentimento do músico Marcelo Paiva, que era o sonho que eu tinha para mim e que foi interrompido bruscamente. Estou revivendo uma paixão adormecida por um acidente estúpido que tirou todo o amor que eu sentia pela vida”, afirma.
Apaixonado outra vez pela vida que teria seguido se tivesse tido chance, Marcelo é uma presença leve e divertida no palco, que parece não levar muito a sério nada do que o escritor best-seller filho de dois herois nacionais vive durante o dia. A plateia fica confortável ouvindo suas histórias pessoais, cada vez mais conhecidas do público, contadas sempre com humor.
E também é presenteada por uma música de altíssima qualidade, com instrumentistas talentosos tocando hits que todo mundo conhece, em versões que ninguém imagina. É um show de verdade, bem feito, bem pensado, bem ensaiado.
“Eu queria ter sido o Evandro Mesquita”, diz Paiva. “Ator, galã, músico, surfista. É muito chato ser dark, ouvir punk. Eu fui assim porque a vida me fez desse jeito”, afirma. Mas não perde a piada: “Eu fui rebelde porque o mundo quis assim”.