As florestas tropicais da África Ocidental já tinham sido colonizadas por membros da nossa espécie há cerca de 150 mil anos, indicam novas datações feitas num sítio arqueológico da Costa do Marfim.
Os dados indicam que a presença do Homo sapiens em ambientes de mata fechada não foi um evento relativamente tardio na história dos seres humanos de anatomia moderna, mas algo que já era viável muito antes da própria expansão deles para os demais continentes da Terra.
Publicada na última quarta-feira (26) na prestigiosa revista científica Nature, a descoberta é importante também por romper uma barreira comum na arqueologia: a relativa dificuldade de identificar sinais muito antigos da presença humana em ambientes de floresta tropical. A combinação de calor, umidade e vegetação densa costuma obscurecer ou até apagar totalmente esses indícios, mas novas tecnologias de datação e análise têm relativizado essa barreira.
Coordenado por Eslem Ben Arous e Eleanor Scerri, ambas pesquisadoras do Instituto Max Planck de Geoantropologia, na Alemanha, o trabalho voltou a examinar o sítio conhecido como Bété I, que fica a cerca de 20 km da capital da Costa do Marfim, Abidjã. O local já tinha sido escavado nos anos 1980 por cientistas africanos e soviéticos e, depois dos trabalhos mais recentes por lá, no começo da atual década, acabou sendo destruído pela mineração.
Mas os dados das escavações não foram perdidos, e eles documentam, em primeiro lugar, um longo período de presença humana que pode ter se estendido por dezenas de milhares de anos. As datas mais antigas, de 150 mil anos antes do presente, foram obtidas por métodos como a chamada luminescência opticamente estimulada, que não depende da presença de material orgânico para funcionar.
Essa idade bastante remota está associada a instrumentos de pedra de tamanho relativamente grande, que os pesquisadores apelidaram de “picaretas” (embora sem cabo). É possível que eles fossem usados para escavar raízes ou para outras tarefas mais pesadas. Além disso, há algumas ferramentas menores e muitos restos de debitagem, ou seja, as lascas que sobram do processo de preparação dos instrumentos.
Arous, Scerri e seus colegas também conduziram uma reconstrução do antigo ambiente no entorno de Bété I –hoje uma região de mata úmida– por meio da análise de grãos de pólen, fitólitos (grãozinhos produzidos pelo metabolismo das plantas) e de moléculas de cera das folhas, tudo preservado nas camadas de solo escavadas.
Todos esses dados apontam para uma área com pouca presença de gramíneas tropicais (ou seja, o contrário das áreas de capim esperadas caso a vegetação fosse aberta) e forte presença de árvores, em especial as que estão associadas à beira de rios ou regiões pantanosas. Há, por exemplo, a provável presença de dendezeiros (a palmeira Elaeis guineensis), domesticados, muito mais tarde, para a produção de óleo.
Os dados batem com modelos climáticos de computador segundo os quais a região permaneceu coberta por matas tropicais mesmo durante os maiores recuos dessas florestas durante as condições mais secas do Pleistoceno (a Era do Gelo).
Para os pesquisadores, tudo indica que, em vez de ser um especialista na colonização de ambientes mais abertos, como savanas e estepes, os primeiros Homo sapiens já tinham facilidade em se espalhar pelos mais diversos ambientes.
“A convergência de diferentes evidências mostra que a diversidade ecológica é essencial para a nossa espécie”, declarou Eleanor Scerri em comunicado oficial. “Isso reflete uma história complexa de subdivisões populacionais, na qual diferentes populações viviam em regiões e habitats distintos. Agora, precisamos investigar como essas expansões iniciais dos nichos humanos afetaram as plantas e animais que compartilhavam o ambiente com eles.”