“Apoiamos fortemente o seu direito de determinar o próprio futuro e, se escolherem, daremos as boas-vindas aos Estados Unidos da América. Mas [se não], vamos tomar a Groenlândia de um jeito ou de outro”.
Foi assim que Donald Trump tratou uma das suas maiores prioridades de política externa em um discurso ao Congresso neste mês. Sandice ou “nada fora do roteiro” para este novo normal na Casa Branca, diriam alguns. Mas a fala carrega implicações geopolíticas significativas, talvez ignoradas pelo grau de excentricidade em tudo que cerca o novo líder americano.
A Groenlândia é um sintoma de uma ambição americana maior: o controle do Ártico. Com posição estratégica entre a América do Norte e a Europa, abriga a base aérea de Thule, pilar da defesa americana na região e já fez parte dos sonhos expansionistas do republicano desde seu primeiro mandato, quando abordou a Dinamarca com uma proposta de compra.
Se a Groenlândia se tornasse de fato um estado americano, o controle do território ampliaria a presença militar dos EUA, limitaria a influência de rivais como China e Rússia e garantiria acesso às significativas reservas de minerais críticos, como terras-raras, essenciais para tecnologias verdes e sistemas de defesa.
Preocupados com a dependência da China em insumos estratégicos, os EUA há muito veem a exploração dessas reservas como uma oportunidade para diversificar suas cadeias de suprimentos e fortalecer a segurança econômica. O crescente interesse também se justifica pela possibilidade de acesso a petróleo e gás natural, à medida que as mudanças climáticas fazem o gelo recuar e novas áreas de exploração se tornam viáveis.
Mas a questão central aqui é que nada parece coeso o suficiente para ser levado a sério. A despeito da sanha extrativista de Trump, a obsessão pelo Ártico também vem acompanhada de um paulatino desmantelamento das estruturas governamentais que cuidam de temas assim.
No fim da semana passada, por exemplo, foi a vez de tesourar a Comissão de Pesquisa do Ártico dos EUA e a Iniciativa Polar do think tank Wilson Center, dois dos principais centros dedicados à análise estratégica da região. O desmonte terá implicações claras, especialmente no que tange à cooperação com aliados tradicionais nesta seara como Canadá e Noruega, abrindo espaço para que instituições nestes países busquem parcerias não nas Américas, mas na Ásia.
Enquanto os americanos recuam, a China avança. Formalizada em sua Política para o Ártico de 2018, Pequim busca consolidar presença na região por meio de pesquisa científica, exploração de recursos naturais e investimentos em infraestrutura.
Autodenominada “Estado Próximo ao Ártico”, a China vê a região como estratégica para sua Rota da Seda Polar e tem reforçado parcerias com a Rússia em projetos energéticos como o Yamal LNG, além de financiar tentativas de investimentos na mineração de terras raras na Groenlândia.
Sem uma presença científica robusta, os EUA estão perdendo capacidade de monitoramento ambiental e enfrentam um crescente déficit de conhecimento e estrutura em relação às mudanças climáticas no Ártico. É uma política errática, demasiadamente centrada na militarização e desprovida de uma visão de longo prazo, que coloca Washington em desvantagem estratégica enquanto Pequim consolida seu papel como uma potência emergente também por este pequeno pedaço gelado do planeta Terra.