Enquanto a população brasileira se queixa do preço dos alimentos nos mercados, os ocupantes dos principais cargos da República não têm do que reclamar: a partir deste sábado (1º), passarão a receber vencimentos de R$ 46.366,19 por mês, o equivalente a mais de 30 vezes o salário mínimo nacional.
Beneficiam-se desse aumento de 5,4% na remuneração o presidente, o vice-presidente, ministros de Estado, deputados federais, senadores, o procurador-geral da República e os ministros do Supremo Tribunal Federal, cujo contracheque estabelece o teto constitucional do funcionalismo.
Ou seja, a valer o artigo 37 da Constituição, ninguém dentro da máquina pública deveria ganhar subsídio mensal superior ao dos membros do STF. Na prática, porém, não são poucas as carreiras que transformam a determinação em reles letra morta.
Manobras de toda sorte abrem brechas pelas quais as mãos privilegiadas alcançam, sorrateira e reiteradamente, o bolso do contribuinte —pois é do cidadão comum o dinheiro que, no fim das contas, irriga os supersalários.
O truque é antigo. Valendo-se de portarias, resoluções, atos normativos e outras canetadas burocráticas, as corporações enquadram como verbas indenizatórias os mais diversos recursos pagos a seus integrantes, o que eleva sobremaneira a remuneração média que recebem por mês.
Conhecidos como penduricalhos, esses valores adicionais são tratados como extraordinários e, assim, ficam de fora dos cálculos não só do limite constitucional mas também, em boa parte dos casos, do Imposto de Renda.
Com alguma frequência, a contabilidade criativa enfrenta questionamentos nos tribunais, mas o obstáculo costuma ser de somenos: não faltam magistrados dispostos a conferir legalidade a regalias que o próprio Poder Judiciário sabe aproveitar.
Exemplos não faltam. Em dezembro, 26 dos 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) receberam mais de R$ 240 mil líquidos; a média, já com descontos, chegou a R$ 357 mil por magistrado.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), 22 ministros aposentados ganharam mais de R$ 150 mil em algum mês do ano.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a desfaçatez é ainda maior. Com o caixa fortalecido por juros de depósitos judiciais, uma prática em si absurda, os desembargadores se mimaram com pagamentos mensais médios de R$ 75 mil ao longo de 2024, quando o teto constitucional estadual era de R$ 37,6 mil.
Muda o tamanho do abuso, mas não o mecanismo: ao salário fixo se somam valores retroativos e benefícios diversos, como abonos e auxílios.
Passa da hora de o Congresso dar um basta nessa farra com o dinheiro público e reafirmar, com ainda mais clareza, o que já estatui a Constituição. Nem só pela economia que gerará, mas porque a moralidade administrativa em uma República exige que se elimine esse tipo de privilégio.