É interessante pensar na relação entre o calendário de moda e as datas das premiações da indústria cultural norte-americana (Globo de Ouro, Grammy, Oscar).
Na última quinta-feira (30), terminaram os desfiles da alta-costura, em Paris, e hoje, durante o tapete vermelho da 67ª edição do Grammy, em Los Angeles, foi possível assistir às celebridades da música usando e abusando das tendências, dos estilos e dos visuais arrojados propostos pelas maisons mais luxuosas do mundo.
O tapete vermelho da premiação do Grammy costuma ser um dos mais inventivos e agitados. Este ano, o exagero, o escapismo e o onírico presentes nas passarelas da alta-costura de Paris apareceram com força nos looks do Grammy, bastante performáticos
Muito brilho, capas, dourado, vermelho. Mangas volumosas, que remetem ao estilo vitoriano, usadas com vestidos curtos e justos. Combinações de bege com pérolas e brilho, contrastes de preto e branco. Unhas longuíssimas (é simplesmente incrível esse modo de usar as unhas por cima das luvas).
Transparências, recortes e decotes. E até um modelo de naked dress, o vestido ausente de Bianca Censori feito de tule fino cor da pele, usado por baixo de um casaco pesado. No campo da moda, a referência ao passado – ou ao futuro – constantemente é entendida como uma forma de escapismo.
Além do vestido nu, os looks mais marcantes ficaram por conta das celebridades que apostaram no aspecto teatral da moda. Rapsody, por exemplo, usou vestido todo adereçado com búzios que formavam uma moldura em espiral para o retrato de Grace Jones estampado na roupa.
O chapéu e a maquiagem com referências egípcias completaram o visual, que teve fortes conotações políticas na medida em que utiliza símbolos, imagens e estéticas da cultura tradicional negra ou de uma estrela afro-americana da música. Sierra Ferrell estava com uma roupa absolutamente performática, toda de branco, pérolas e brilhantes, com direito a cetro. Lembrou até o “Costume do ano 2045”, desenhado por Salvador Dalí e que pertence ao acervo do Masp.
Daniela Garcia apresentou um visual enigmático com vestido preto longo de mangas compridas e o rosto coberto por uma máscara preta que parecia de acrílico.
Lakecia Benjamin usou uma fantástica roupa de super-heroína dourada com capa bordada com cristais e ombreiras de asas. O mini vestido vermelho com brilho de Taylor Swift igualmente remeteu a uma heroína, talvez a Mulher Maravilha.
Expressando ao mesmo tempo segurança e sensualidade, pode ser que sua roupa tenha sido uma homenagem aos bombeiros de Los Angeles, já que este ano o Grammy arrecadou fundos para ajudar as vítimas dos incêndios na cidade.
A estrela Chappell Roan também marcou presença com sua roupa de tule estampada com bailarinas de Toulouse-Lautrec, luvas e unhas compridas, num clima “Alice no País das Maravilhas”. O século 19 se mostrou de muitas maneiras nos looks do tapete vermelho do Grammy.
Além das mangas volumosas, das ombreiras, dos corpetes afinando as cinturas, das botinas de cadarço, dos acessórios que lembram as musas art nouveau de Mucha, se materializou no look gótico de Lady Gaga.
O escapismo e o onírico também se revelaram no tapete vermelho do Grammy nos visuais que tiveram a proposta de misturar elementos marcantes do guarda-roupa masculino e feminino, ou de ocasiões formais e casuais.
Como a roupa de Doechii, que usou gravata cinza risca de giz, camisa social branca e um vestido justo, feito em tecido de alfaiataria. E penteado wet hair, o cabelo molhado, confirmando a tendência das passarelas. Shawn Everett, por sua vez, todo de vermelho, com exceção das botas, estava com um vestido que parecia um casaco esportivo da Adidas longo com duas fendas abertas até a coxa. Nos braços e nas pernas, luvas e calça de couro vermelho.
Os homens também apostaram no brilho. Nos looks masculinos, cada vez mais ousados e interessantes, às vezes foram os detalhes que deram o tom da personalidade de cada celebridade, como a lapela de brilhantes de Babyface.
Foi ótimo o estilo despojado e elegante de Leroy Clampitt, que usou conjunto de alfaiataria de risca de giz com calça de bocas largas e camisa de mangas curtas aberta fazendo o papel do paletó por cima de uma regata preta.
Mas nem todos evitaram visuais exagerados e exuberantes. Teddy Smith, que vestiu terno bege e paletó decorado com pérolas de diversos tamanhos que acentuaram o volume dos ombros e do peitoral, lembrou os reis das cortes europeias do Renascimento — calma, gente, ele não estava com codpiece!
E Jaden Smith apareceu com um terno preto elegante. Mas, no lugar do chapéu, usou um castelo na cabeça com um furo no meio por onde foi possível ver seu rosto.