Em 17 de janeiro de 1961, o presidente americano Dwight Eisenhower fez uma grave advertência em seu discurso de despedida.
“Nós devemos nos proteger contra a aquisição de influência injustificada, procurada ou não, pelo complexo industrial-militar. O potencial para a ascensão desastrosa de poder indevido existe e vai persistir”, disse.
Ele se referia ao fortalecimento das empresas de defesa de seu país, imiscuídas em seus desígnios geopolíticos, já que a Guerra Fria com a União Soviética era um ótimo modelo de negócios.
O aviso foi presciente, e hoje são americanas as cinco primeiras no ranking das 10 maiores indústrias bélicas do planeta, auferindo sozinhas o dobro da receita das restantes. E os EUA detêm 39% do gasto militar global.
Sessenta e quatro anos depois, Donald Trump estreou uma modalidade inaudita de influência privada na gestão pública ao instalar o bilionário Elon Musk como seu braço-direito. Foi o que se viu, na quarta (26), durante a inusitada primeira reunião do gabinete do republicano.
A função de Musk é legítima em si: cortar gastos de um governo deficitário —apesar de girar US$ 6,8 trilhões ao ano. Mas três questões subsistem, além da até agora ausente eficácia anunciada.
Primeiro, como realizar a missão. Um time de desconhecidos subordinado a Musk busca acesso a dados sigilosos, e os famosos e-mails intimidando servidores já são objeto de contestação nos departamentos e na Justiça.
Segundo, o foco. Musk não apresentou plano coerente, apenas justificativas ideológicas calcadas no trumpismo, segundo as quais setores como o da educação têm de ser eviscerados para extirpar o esquerdismo e o politicamente correto.
Novamente, pode haver mérito em retirar abusos sectários da administração pública; o problema é substitui-los por outros.
Por fim, a ética. Musk não tem cargo formal e continua a se pautar por interesses empresariais. Se a sua empresa SpaceX revolucionou o mercado espacial, os palpites que dá acerca do futuro da Nasa são no mínimo inapropriados e anômalos.
O “consegliere” de Trump também tem pressionado a Ucrânia, país onde a sua Starlink garante o acesso militar à internet na guerra contra a Rússia, assim como o faz em contratos no Brasil.
O presidente ora alinhado a Moscou quer tomar de Kiev terras raras e outros minerais essenciais à indústria de alta tecnologia e carros elétricos, encarnada nos EUA por Musk, o que prova a validade do alerta de Eisenhower.