18 mar 2025, ter

Laços de família: a vitória de Trump e a ultradireita brasileira – 04/03/2025 – Opinião

“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, disse Juracy Magalhães em plena ditadura militar. Algumas décadas depois, uma crença semelhante ressoa nas análises sobre os impactos de Donald Trump na política nacional: o que é bom para a ultradireita norte-americana seria bom para a ultradireita brasileira.

A afirmação tem algum fundamento, dada a forte influência da política norte-americana no mundo e sobretudo na América Latina. O alinhamento com nosso vizinho do norte não é um trunfo menor, mas algo central em disputas políticas e eventualmente um fato relevante em processos eleitorais. Trajetórias políticas, contudo, não são lineares e por vezes ideias semelhantes produzem consequências diversas em momentos, ou cenários, distintos. Cópias tropicais do presidente norte-americano ou entusiastas do estilo de Trump podem se beneficiar dos seus primeiros movimentos, mas encontrar mais à frente dificuldades profundas geradas pelo próprio personagem. Após a euforia inicial, vejo ao menos duas dificuldades no horizonte da ultradireita brasileira.

A primeira, mais evidente, está nos eventuais efeitos nocivos da política de Trump para os interesses de importantes segmentos da base social da ultradireita brasileira. Guerras tarifárias e políticas protecionistas bruscas podem prejudicar o agronegócio, assim como outros movimentos na direção de um nacionalismo econômico radical talvez causem prejuízos para parte das elites econômicas brasileiras.

Cultor de um imperialismo à moda antiga e entusiasta do uso explícito ou da ameaça aberta do uso da força, não é improvável que Trump faça futuras exigências de fidelidade irrestrita aos Estados Unidos, que entrariam em conflito com as bem consolidadas relações comerciais entre Brasil e China. Amplas consequências econômicas negativas de movimentos agressivos dos EUA também não são improváveis, de modo que defendê-las tende a ser desgastante no médio e longo prazo. Há limites para a hoje corriqueira estratégia de responsabilização do atual governo ou mesmo da esquerda —que mobiliza os mais entusiastas da ultradireita, mas pode gerar desconforto na maior parte da população.

Os efeitos de uma adesão irrestrita também podem produzir problemas graves para a imagem pública da ultradireita. As mudanças constantes das afirmações e o pouco pudor no recurso às mentiras na disputa política, marcas das suas principais lideranças, por vezes sugerem que pouco importa seu discurso. Não é o caso. As ideias têm papel central no campo, como forma de mobilização das bases e incentivo à ação política imediata. Nesse cenário, a adesão irrestrita a Trump em um cenário de confronto aberto com os EUA pode quebrar definitivamente um elemento importante da sua identidade: o nacionalismo.

A ultradireita muitas vezes submete o discurso nacional a certa ideia de Ocidente ou de cristandade, a partir da defesa de que o alinhamento aos defensores de valores civilizacionais ou religiosos, como supostamente seria o caso de Trump e dos EUA, são mais importantes que vantagens pontuais. Não à toa o mote de campanha de Jair Bolsonaro, mais popular liderança do campo, articula a ideia de nação, “Brasil acima de todos”, com a de Deus, o qual estaria “acima de tudo”.

Esse discurso não apenas mobiliza elites intelectuais e políticas como dialoga com elementos relevantes da cultura política brasileira, como um certo cristianismo difuso. Sua força, contudo, deriva de alguma ambiguidade e de uma boa dose de crença, segundo a qual se é nacionalista mesmo quando aparentemente não se é —por razões que fogem aos olhares mais apressados.

Todo esse frágil equilíbrio se quebraria, entretanto, em caso de ataques abertos dos EUA ao Brasil, capazes de produzir claros prejuízos para a população. Defender Trump pode então significar não apenas uma política impopular, mas uma traição a quem prometia colocar os interesses do país em primeiro lugar.

Restaria a aposta no apoio a mais uma tentativa de golpe, tática infelizmente valorizada por boa parte da ultradireita, mas bem arriscada, pois dependente de uma disposição —nunca demonstrada pelo norte-americano— de gastar dinheiro e prestígio no Brasil.

Em alguns anos talvez estejamos em um cenário no qual o alinhamento ao trumpismo funcione como uma camisa de força para a ultradireita brasileira e surja como oportunidade política para a esquerda.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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