[RESUMO] Em meio às comemorações dos 40 anos do Ministério da Cultura, a ministra Margareth Menezes discute reclamações de servidores da pasta, prestações de contas que são alvo de questionamento do Tribunal de Contas da União, as articulações para regulamentar o streaming e os desafios que ela enfrentou ao assumir essa área depois do governo de Jair Bolsonaro, que havia rebaixado o ministério a uma secretaria especial.
Vêm de um tempo antigo os fantasmas que atormentam o iluminado gabinete da ministra Margareth Menezes. Não tão antigos quanto os faraós que ela canta, mas quase tão velhos quanto a República Nova e a própria democracia brasileira.
Os espíritos que a rondam são as pilhas de prestações de contas de projetos culturais que insistem em não ir embora e se acumulam entre os servidores do Ministério da Cultura —nos computadores e com os trabalhadores da pasta— desde que foi criado o ministério, há 40 anos.
Há um outro fantasma mais recente também —o do governo de Jair Bolsonaro. É a essa era que a ministra atribui uma série de problemas, desde as condições de trabalho dos funcionários da pasta até a articulação, com o Congresso, da regulamentação do streaming no Brasil.
São 37 anos de carreira como artista. Margareth soma dezenas de discos, turnês e algumas indicações ao Grammy. Hoje, porém, é um número menos glamoroso que está associado à baiana de 62 anos à frente do Ministério da Cultura.
No ano passado, o Tribunal de Contas da União apontou que o MinC tinha um passivo de pelo menos 26 mil projetos da Lei Rouanet com prestações de contas em aberto. É um número que vem se acumulando ao longo das últimas décadas.
Se fosse fácil, as gestões anteriores já teriam resolvido, diz a cantora-ministra, que afirma querer eliminar, até o ano que vem, esse passivo. Ao ser questionada se esse é um compromisso que está firmando, ela só promete “pelo menos uma fluência maior e, com certeza, uma diminuição”.
Desde quando foi criado, o MinC é alvo de questionamentos sobre a necessidade de sua existência. Por que uma pasta dedicada exclusivamente à cultura?
Esse questionamento sobre a existência do ministério está muito ligado com uma questão histórica,
porque o MinC nasce com a democracia. O Brasil é um país gigante, onde a cultura e a arte sempre tiveram uma representatividade, principalmente porque são demandas que vêm do povo.
Uma secretaria é pequena para conseguir fazer políticas que alcancem todo esse território. Como que a gente vai administrar algo do tamanho da cultura brasileira, criar políticas para dar acesso e fortalecer esse setor que emprega milhões de pessoas com uma secretaria?
Não ter um ministério é reduzir o potencial de fomento, reduzir o potencial de alcance das políticas públicas.
Qual ação de sua gestão a senhora gostaria de ter vinculada ao seu nome no futuro?
Estamos buscando dar uma dimensão nacional ao acesso de fomento. Fazendo correções dos mecanismos de fomento nas regiões, redimensionando a ação da própria Lei Rouanet para corrigir o desequilíbrio do acesso nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Nós estamos também garantindo a institucionalização do MinC, trazendo um marco regulatório do fomento. Acho que essa visão de nacionalização e de institucionalização são uma marca minha.
Servidores da Cultura afirmam que não existe área do MinC que não esteja em situação crítica por falta de mão de obra. O que falta para a carreira ser mais valorizada?
Essa foi a gravidade do desmonte do Ministério da Cultura da gestão passada. Só para dar um exemplo, a Fundação Palmares tinha quase 200 servidores. Nós chegamos aqui com a Fundação Palmares com 25 servidores. A destruição dessa parte interna do ministério trouxe esse prejuízo. Nós chegamos aqui trazendo mais, retomando os servidores que foram espalhados por outros ministérios com esse desmonte
Nós retomamos os diálogos, temos portas abertas com os servidores. Eu mesma não imaginava que não existia plano de carreira para os servidores da Cultura. Nós estamos nesse processo, defendendo, porque acho importante apoiar.
Sobre a política de diversidade, há um grupo que defende a ampliação das ações afirmativas nos editais de cultura. Por outro lado, há quem diga que as políticas afirmativas já postas negligenciam agentes estabelecidos no mercado. De que modo a senhora se posiciona?
Na Aldir Blanc, por exemplo, existem cotas, e os estados e as cidades têm liberdade de fazer o acréscimo que quiserem. Por exemplo, na Bahia, a cota foi elevada para 50% de pessoas negras. A cota é uma base mínima para que possa haver a inclusão de toda a sociedade.
Sobre os grandes produtores, quem já tem condição de se manter no mercado precisa muito menos das políticas públicas do que quem nunca teve. Nós não estamos tirando de um lugar para fazer outro. É importante que as críticas cheguem. Estamos começando a fazer uma linha especial para grandes produtoras.
Um dos temas mais urgentes hoje é a taxação do streaming. Agentes culturais dizem que falta esforço político do MinC para viabilizar a aprovação do projeto. Como a senhora enxerga essas críticas?
Primeiro que não é uma taxação. Estamos querendo regulamentar para que haja um equilíbrio. Existe aí um desequilíbrio, porque há a Condecine [Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional], que alimenta o Fundo Setorial do Audiovisual e traz investimentos para o setor, mas no streaming ainda não existe isso [as plataformas não pagam a Condecine].
A gente não quer fazer alguma coisa que vai tirar a diversão do povo brasileiro. Nós estamos defendendo, sim, uma regulação que seja adequada, que o produtor brasileiro tenha os seus direitos. É uma questão de soberania nacional.
Vários países já fizeram isso. Quem tirou o projeto dessa lei de estímulo da gaveta, em 2023, foi a nossa gestão. Não é uma coisa fácil de fazer. Se fosse fácil, outras gestões já teriam feito. O desmonte do ministério parou toda essa luta.
Essa discussão da Condecine vem desde antes da pandemia. Essa avaliação de que está demorando não faz sentido?
Quando não tem ministério, não tem defesa do governo. Então, a retomada disso foi a partir da nossa gestão. Nós estamos empenhados, só que existem as negociações. Existe a interferência do ministério, mas há também as do setor, que está buscando espaço, buscando defesa. As próprias plataformas também que puxam para lá, puxam para cá. Estamos nesse momento dessa batalha, mas defendemos que seja uma regulação adequada e não prejudique nem um lado nem outro, mas que principalmente faça a defesa dos direitos dos produtores brasileiros.
Não é só taxação, mas a taxação é central.
A palavra não é taxação, é regulação, porque “taxação” dá um sentido de que a gente está querendo botar uma… Não é isso, é uma regulação, porque é uma indústria que está desregularizada. Já existe esse imposto. Não é uma taxação, é uma contribuição. Os outros países já fazem. Na França, isso já está na sua terceira regulação. E nós não tivemos nem a primeira. Então, é injusto para quem trabalha. Por exemplo, o artista faz a obra, mas na hora que a obra vai para o streaming só a plataforma ganha. Isso não é justo. É esse ajuste que a gente quer, sem querer prejudicar as plataformas também, que são importantes.
No ano passado dados do ministério mostraram que a execução dos recursos da Lei Aldir Blanc estava aquém do esperado. Faltou uma estratégia para que os entes federativos usassem o recurso?
A Aldir Blanc é uma conquista que muda completamente o cenário do setor artístico e cultural do Brasil, porque vai irrigar o sistema nacional de cultura, nesse processo todo, o setor cultural. Até 2027 são R$ 15 bilhões. O que acontece? A primeira parcela da Aldir Blanc, de R$ 3 bilhões, chegou no mesmo ano da primeira parcela da Lei Paulo Gustavo, que foi de R$ 3,8 bilhões. Isso, claro, causou um certo empoçamento de todo esse processo. Essas duas leis são de aporte direto, fundo a fundo, então tem o processo de você receber isso, o gestor se preparar. Além de tudo, a gente não sai já pagando. Primeiro faz o edital, depois as pessoas se inscrevem, tem o tempo de análise, tem todo esse processo em todas as cidades, todos os estados.
Estados e municípios se disseram pegos de surpresa quando houve as mudanças. Eles falaram que não aconteceu um diálogo prévio antes das decisões. O que a senhora responde a isso?
Nós estamos dentro de todas essas reformulações que o governo tem passado, especialmente em relação ao próprio orçamento. O que nós fizemos foi garantir uma qualificação. Na lei nós garantimos os R$ 15 bilhões. Não foi mexido nisso. Agora nós temos um mecanismo para garantir a execução, para que não fique havendo o empoçamento como foi a visão que tínhamos antes.
A gente precisa estimular as secretarias municipais e estaduais a fazer a execução. A partir do momento que ele executa, ele já vai ter direito à próxima parcela.
Um relatório recente do Tribunal de Contas da União, de 2024, diz que há 26 mil processos de prestação de contas sem análise conclusiva. Como impedir que o Ministério da Cultura se afogue nesse crescente passivo de prestações de contas?
Nossa gestão é quem está buscando cuidar disso. Fizemos a maior redução de passivos da história do Ministério da Cultura e isso continuará. Mas é preciso entender também que muito desse passivo vem por uma falta do marco regulatório. Então, essa curva também nós estamos corrigindo. São 5.000 projetos que nós conseguimos concluir em 2024. Esse trabalho continua, nós não viramos as costas para o passivo. Estamos vendo várias ferramentas digitais também sendo trazidas para o governo para auxiliar nessas questões. Nós queremos eliminar, até 2026, esse passivo.
É um compromisso, então, que a senhora firma? Acabar com esse passivo de 26 mil prestações de contas até 2026?
Pelo menos nós vamos ter uma fluência maior e, com certeza, uma diminuição. Já estamos cuidando disso.